Frequentava o liceu e, desde há cerca de 2 anos, vivia a descoberta de uma música estranha que ia crescendo e envolvendo a Juventude: o Rock´n Roll... Sempre que passávamos por cafés perto do liceu, aproveitávamos para meter moedas nas "juke-box" para ouvirmos, deleitados, os discos de 45 rotações com as músicas dos Everly Brothers, do Elvis ou do Paul Anka. Ao fim de semana acorria aos bailes no Centro Recreativo perto de casa, onde assistia quer a exibições dos conjuntos de Rock, então em voga, quer à Zézinha Meireles (nitidamente preferida pela organização) a interpretar, esganiçada, a Malaguenha ou a Granada.
Depois havia o essencial: O Baile.
E aqui assistia-se também a uma competição entre a música “velha” e a música “nova”… Claro que sempre tentávamos influenciar quem controlava o gira discos para se ouvirem, em vez de Tangos e Passo dobles, as canções dos Platters ou da Connie Francis... As raparigas ficavam de um lado do salão de baile. O sexo masculino arrumava-se, em grupo, no lado oposto.
Aos primeiros acordes musicais os rapazes lançavam-se em direcção às cadeiras onde as raparigas conversavam e… no caso de não se conseguir obter o par desejado, podiam “marcar” uma dança com antecedência. Ou seja havia uma verdadeira “lista de espera” para as jovens mais requisitadas, que usavam (grande moda) meias “collants” de cores fosforescentes (talvez para nos encandear…) … Azuis… Verdes… Amarelas, etc. Os rapazes ripostavam com camisolões vermelho vivo e blusões de cabedal negro. Ao ritmo de conjuntos musicais ou de discos, após trocas de olhares e por vezes sinais os “meninos” atravessavam corajosamente o espaço “between” para levar as meninas enlaçadas na música preferida...
Certo Domingo surgiu uma nova e loira frequentadora – de meias fosforescentes vermelhas – que todos achávamos parecida com a Marylin Monroe.
Para além da beleza física tinha um olhar misterioso e sereno que nos baralhava e electrizava o ambiente em redor... Como se fosse mais velha do que todos nós.
Claro que as paixões multiplicaram-se ao mesmo tempo que os pedidos para dançar com aquela rapariga intrigante, bela e aparentemente inacessível.
Marcavam-se rodopios com antecedência, havia empurrões e cotoveladas para chegar primeiro. A rapaziada fascinada queria dançar só com ela… E eram correrias e empurrões a ver quem chegava primeiro. Eu nem me atrevia. Não só por timidez mas também porque não sabia ainda dançar. Mas, não fugi à regra e comecei inexoravelmente a sentir uma paixão febril pela rapariga das meias encarnadas. De facto o termo febril é adequado porquanto passei a ter diariamente uma temperatura de cerca de 37,5º Centígrados... Levaram-me em consequência ao médico da família, que morava lá na rua, e que após me observar, abanou a cabeça, e disse que não encontrava nada de anormal e por isso não compreendia a causa. Claro que só eu sabia a verdade. Que a origem da temperatura excessiva era… vermelha…
Claro que como não sabia dançar não me atrevia a dirigir-me à rapariga dos meus sonhos. Com muita pena (e febre), via apenas do meu canto os outros a dançar com ela. Mas houve um dia em que soube, novamente, que eras tu que reaparecias, porque uma tarde olhaste-me fixamente – como a cigana, anos antes, nas minhas férias. Tão intensamente que, num primeiro momento, me convenci que te estarias a dirigir para outra pessoa.
Porém, depressa a minha dúvida se esclareceu. Afastando os vários pretendentes em volta, as meias fosforescentes dirigiram-se sem hesitações para mim – o único que não lhes tinha pedido para dançar. Ela deu-me a mão e levou-me para o meio do salão… Como costumava acontecer só nos filmes... Atónito, senti o meu coração fazer BUMMMM, ao mesmo tempo que deixava de sentir as pernas e um calafrio me percorria o corpo… E agora? Como fazer se não sabia dançar…. Resolvi andar ao ritmo da canção a ver se acertava… E de facto acertei... Mas foi com um sapato numa das meias vermelhas que se rompeu… Tristíssimo com aquela tragédia e cada vez com mais “febre” resolvi aprender intensivamente a dançar, para mais tarde tentar resgatar-me perante a dona das meias vermelhas. Na altura, a melhor professora de dança, recomendada por toda a rapaziada, era uma empregada doméstica lá da rua. Então durante semanas com o nariz encostado às nódoas do avental da “professora”, lá ensaiei: um dois…. um dois… um dois três… Depois ainda de “treinar” também em frente ao espelho, e já me sentindo “apto”… lá fui ao baile – à reconquista da atenção perdida… Esperava-me uma desilusão… A rapariga das meias cor de sangue já tinha, entretanto, encontrado um namorado com o qual dançava “em exclusividade”…
E nos meus olhos instalaram-se nuvens de tristeza.
VT
Smoke gets in your eyes - Platters
2 comentários:
Gostei muito deste retrato de uma adolescência que, embora cronológicamente anterior à minha, sofria das mesmas inseguranças, da mesma facilidade em passar da maior felicidade à mais profunda depressão e em que qualquer incidente se transformava numa catástrofe.
Parece-me que já li uma versão mais longa desta estória algures, mas gostei mais desta short version.
Um abraço. João
Engraçado, com Humor qb. Apesar de não ter vivido muito estas experiencias lembro de algumas situações assim, em que eu era quase sempre observadora. Mais uma vez realço a tua capacidade para envolver texto/musica numa perfeita harmonia e assim fazer reviver/lembrar, abrir a tampa do "baú" emocional...O pormenor da fotografia, as meias, está fabuloso.
AC
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