quarta-feira, 12 de julho de 2023

domingo, 25 de junho de 2023

The Red Button

“QUO VADIS” SNS

PARTE II Vários diagnósticos dos problemas do SNS têm sido expostos desde há muito por vários autores. Em consequência também têm surgido várias propostas “terapêuticas”. No entanto não têm sido aplicadas reformas estruturais importantes que salvaguardem o Presente e o Futuro do SNS. A seguir atrevo-me a sugerir o seguinte: É necessário um novo figurino para o SNS. A sociedade e o país mudaram e o SNS não pode continuar espartilhado por premissas datadas e ultrapassadas. Há que o reestruturar adaptando-o a um novo tempo. É essencial dotar as instituições do SNS de uma capacidade gestionária que o torne tão ou mais atractivo que o sector privado. Actualmente há uma excessiva centralização e toda uma teia altamente partidarizada, burocrática e legislativa que impede uma gestão ágil que sirva atempadamente os Doentes. Há medidas que demoram eternidades no seu percurso pelas respectivas hierarquias e outras Entidades (ex. Ministério das Finanças, Tribunal de Contas). Há um espartilho legislativo que impede uma gestão mais justa e produtiva dos recursos humanos. Há dificuldade em inovar e de enfrentar os novos desafios que surgem e as ameaças que se perfilam no horizonte. Houve várias tentativas de ultrapassar este problema com processos de “empresarialização” (Centros de Responsabilidade Integrados, hospitais SA ou SPA transformados em Empresas Públicas Empresariais) mas diferentes estudos e avaliações efectuadas posteriormente não confirmaram vantagens. Pelo contrário. Ou seja. Julgo que seria adequado o aparecimento de uma nova cultura organizacional no SNS assente na autonomia, liberdade e responsabilidade – capaz de inovar e desempenhar um papel em constante adaptação às comunidades envolventes. Como resultado final deste tipo de gestão mais flexível surgiria um SNS com melhores resultados financeiros e melhores indicadores de desempenho. O contrário do actual modelo organizacional tradicional “cristalizado” no “centralismo” e na burocracia. O mundo mudou muito e rapidamente. O SNS mudou pouco e lentamente – entrando em decadência e não acompanhando a sociedade. Paralelamente tem-se verificado nas últimas décadas um crescimento e investimento de unidades de Saúde privadas competindo entre si e distribuindo-se estrategicamente pela geografia do país. Grupos económicos sem “escola” formativa prévia descobriram a área da Saúde como alvo privilegiado para obterem lucros fartos e rápidos – atraindo muitos profissionais de Saúde com o desejo de auferirem mais. Em consequência, simultaneamente, passou a existir uma “fuga” crónica de profissionais de Saúde que abandonam o SNS procurando melhores condições de trabalho e maior retribuição financeira em unidades privadas de serviços temporais e efémeros pertencentes a grupos económicos. A “atracção” de profissionais pelo sector privado tem ainda a ver com o desinvestimento num SNS cronicamente subfinanciado onde há carências logísticas e de exames complementares de diagnóstico e terapêutica mais sofisticados - resultando num desequilíbrio gritante entre o sector público e privado. Mormente a nível distrital os Doentes vão fazer estes exames (sobretudo os de imagiologia diferenciada) no sector privado porque nos hospitais não há os necessários recursos humanos nem de equipamento. No momento em que escrevo há a notícia que o Estado pagou 744 milhões de euros, em 2022, a Entidades Convencionadas. Mais 65% do que em 2019. Por outro lado, ao contrário do sector público os profissionais que trabalham no sector privado auferem consoante o número de actos médicos. Quem observa e trata mais doentes recebe mais. Ou seja a quantidade passa a ser um factor decisivo já que no sector público por regra não se premeia o mérito e a capacidade de trabalho. A ineficiência e o desperdício aumentam em proporção à desmotivação profissional e pode surgir uma maior lentidão assistencial. Não é justo que em pleno século XXI os Doentes tenham acesso mais rápido e eficaz no sector privado que no sector público. Os salários devem pois adaptar-se não só à realidade mas também ao mérito e à capacidade de trabalho onde as remunerações não seriam fixas mas deveriam antes incentivar o número de actos praticados – sem prejuízo da qualidade. De notar que actualmente de entre 21 Estados-membros da União Europeia parceiros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), Portugal está no grupo dos dez que mais mal paga aos médicos das especialidades hospitalares. Tal como no sector privado, os órgãos de gestão das instituições do SNS deveriam ter maior elasticidade / liberdade quer para recrutar os recursos humanos competentes quer para prescindir daqueles que não o são ou não servem adequadamente os objectivos assistenciais das instituições. Não podem coexistir e receber o mesmo vencimento: profissionais que trabalham e produzem e profissionais que não o fazem adequadamente. Este aliás é um problema estrutural que é transversal a todo o sector público – no qual está integrado o SNS. Por outro lado não se aprendeu ainda o suficiente com a bela experiência do Serviço Médico à Periferia (1975-1982) onde grupos de médicos se auto-organizavam. Sem subordinação a uma pirâmide hierárquica plena de burocracia houve a possibilidade de criar inovação adaptada à realidade de cada lugar. Eram organizações que se inventavam a si próprias e onde todos tinham acesso à estratégia adoptada pelo grupo. A possibilidade de construir uma cultura organizacional de liberdade e responsabilidade deu azo ao aparecimento de um sentimento de paixão pela mudança. A energia emocional e a motivação eram elevadas. Em consequência havia grande satisfação profissional perante os resultados positivos junto de uma população carenciada. Este é mais um exemplo que reforça a necessidade supramencionada de um novo modelo para o SNS que promova uma nova cultura organizacional de liberdade e responsabilidade. Em conclusão é necessária nova e importante reforma legislativa conferindo um novo modelo para o SNS com maior elasticidade e capacidade gestionária das instituições públicas. Esta medida é fundamental. Sem ela haverá apenas medidas mitigantes aplicadas ao tecido do SNS em vez de uma reforma de fundo que possa ser a âncora onde todas as outras se podem encaixar e serem, finalmente, eficazes. Trata-se da necessidade, afinal, de mudar uma cultura de gestão pública obsoleta compatibilizando-a com a realidade. Sem esta reforma estrutural toda e qualquer medida que se tome (por mais importante que seja) funcionará apenas como paliativo.

“QUO VADIS” SNS

PARTE I O SNS tem sido ultimamente tema de artigos de opinião, debates, livros, conferências, etc. face ao agudizar de algumas desconformidades que, actualmente, prejudicam a qualidade de Saúde. Nada que não tenha sido previsto por alguns estudiosos da matéria já há vários anos. Existe um vídeo da Ordem dos Médicos (no YouTube) sobre os Cenários da Saúde para 2040 - que nos deve preocupar a todos - onde se contrapõe a Medicina do unicórnio e a Medicina do hipopótamo – reflectindo-se sobre um futuro próximo onde poderão coexistir, uma medicina para ricos (no sector privado) e outra para pobres (no SNS). Ou seja uma falta de equidade no acesso aos cuidados de Saúde que configura uma regressão a um passado que não faz sentido numa sociedade que se pretende cada vez mais justa e evoluída. Sendo um convicto defensor do SNS não resisto também ao impulso de escrever algumas modestas linhas sobre a matéria. 1 - O Direito Universal à Saúde não deixou de fazer sentido. É um dos pilares fundamentais do edifício SNS e mantém-se actual. O direito à proteção da saúde, a prestação de cuidados de saúde e o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica é sinónimo de progresso social e um objectivo premente que se deve aperfeiçoar continuadamente. O Estado deve assegurar o direito à proteção da saúde, nos termos da Constituição sendo consabidos os benefícios vastos e importantes, desde a redução da mortalidade infantil ao acréscimo da esperança de vida, que Portugal ficou a dever ao SNS. Há pois que manter este grande objetivo constitucional de não excluir ninguém do acesso a bons cuidados de Saúde públicos sem os bloqueios, encerramentos e congestionamentos vividos atualmente. 2 – A formação praticada nas Instituições públicas de Saúde é o garante de uma formação de qualidade e em consequência de uma adequada assistência continuada em todo o país. Os médicos que trabalham nos hospitais públicos aprendem e evoluem tecnicamente. Durante o século XX os mais bem-sucedidos afixavam na porta do consultório: “Médico Assistente dos Hospitais Civis de Lisboa” como uma garantia ou certificado de uma prática de qualidade assente numa medicina humanista. Desde longa data que, nas Instituições públicas de Saúde, os profissionais mais antigos transmitem conhecimentos essenciais aos mais novos - após estes terem finalizado os respectivos cursos. Os Doentes são observados com regras de excelência - desde o modo como são colhidas e escritas as suas “histórias” até às respectivas “marchas” diagnóstica e terapêutica. A aprendizagem contínua e intensiva, bem como o aperfeiçoamento de uma Ética profissional rigorosa são contributos que sempre fizeram escola nos hospitais do SNS e constituíram um ponto alto na modulação de comportamentos que influenciaram gerações de profissionais. Profissionais que mais tarde vão exercer um modo muito particular de estar ao lado dos Doentes. Quer aqueles que trabalham no sector Público quer os que depois o fazem no sector Privado. Sem formação adequada no SNS a qualidade do exercício da Medicina fica comprometida a nível global. Quer no sector Público quer no Privado. Ou seja não é só o Presente e o Futuro do SNS que está em causa. É também o Futuro da Assistência em Portugal. Estes dois pontos prévios são pilares que sustentam e justificam o edifício do SNS e a premência da sua reanimação. É inaceitável a degradação e o retrocesso do SNS.