domingo, 25 de junho de 2023

“QUO VADIS” SNS

PARTE II Vários diagnósticos dos problemas do SNS têm sido expostos desde há muito por vários autores. Em consequência também têm surgido várias propostas “terapêuticas”. No entanto não têm sido aplicadas reformas estruturais importantes que salvaguardem o Presente e o Futuro do SNS. A seguir atrevo-me a sugerir o seguinte: É necessário um novo figurino para o SNS. A sociedade e o país mudaram e o SNS não pode continuar espartilhado por premissas datadas e ultrapassadas. Há que o reestruturar adaptando-o a um novo tempo. É essencial dotar as instituições do SNS de uma capacidade gestionária que o torne tão ou mais atractivo que o sector privado. Actualmente há uma excessiva centralização e toda uma teia altamente partidarizada, burocrática e legislativa que impede uma gestão ágil que sirva atempadamente os Doentes. Há medidas que demoram eternidades no seu percurso pelas respectivas hierarquias e outras Entidades (ex. Ministério das Finanças, Tribunal de Contas). Há um espartilho legislativo que impede uma gestão mais justa e produtiva dos recursos humanos. Há dificuldade em inovar e de enfrentar os novos desafios que surgem e as ameaças que se perfilam no horizonte. Houve várias tentativas de ultrapassar este problema com processos de “empresarialização” (Centros de Responsabilidade Integrados, hospitais SA ou SPA transformados em Empresas Públicas Empresariais) mas diferentes estudos e avaliações efectuadas posteriormente não confirmaram vantagens. Pelo contrário. Ou seja. Julgo que seria adequado o aparecimento de uma nova cultura organizacional no SNS assente na autonomia, liberdade e responsabilidade – capaz de inovar e desempenhar um papel em constante adaptação às comunidades envolventes. Como resultado final deste tipo de gestão mais flexível surgiria um SNS com melhores resultados financeiros e melhores indicadores de desempenho. O contrário do actual modelo organizacional tradicional “cristalizado” no “centralismo” e na burocracia. O mundo mudou muito e rapidamente. O SNS mudou pouco e lentamente – entrando em decadência e não acompanhando a sociedade. Paralelamente tem-se verificado nas últimas décadas um crescimento e investimento de unidades de Saúde privadas competindo entre si e distribuindo-se estrategicamente pela geografia do país. Grupos económicos sem “escola” formativa prévia descobriram a área da Saúde como alvo privilegiado para obterem lucros fartos e rápidos – atraindo muitos profissionais de Saúde com o desejo de auferirem mais. Em consequência, simultaneamente, passou a existir uma “fuga” crónica de profissionais de Saúde que abandonam o SNS procurando melhores condições de trabalho e maior retribuição financeira em unidades privadas de serviços temporais e efémeros pertencentes a grupos económicos. A “atracção” de profissionais pelo sector privado tem ainda a ver com o desinvestimento num SNS cronicamente subfinanciado onde há carências logísticas e de exames complementares de diagnóstico e terapêutica mais sofisticados - resultando num desequilíbrio gritante entre o sector público e privado. Mormente a nível distrital os Doentes vão fazer estes exames (sobretudo os de imagiologia diferenciada) no sector privado porque nos hospitais não há os necessários recursos humanos nem de equipamento. No momento em que escrevo há a notícia que o Estado pagou 744 milhões de euros, em 2022, a Entidades Convencionadas. Mais 65% do que em 2019. Por outro lado, ao contrário do sector público os profissionais que trabalham no sector privado auferem consoante o número de actos médicos. Quem observa e trata mais doentes recebe mais. Ou seja a quantidade passa a ser um factor decisivo já que no sector público por regra não se premeia o mérito e a capacidade de trabalho. A ineficiência e o desperdício aumentam em proporção à desmotivação profissional e pode surgir uma maior lentidão assistencial. Não é justo que em pleno século XXI os Doentes tenham acesso mais rápido e eficaz no sector privado que no sector público. Os salários devem pois adaptar-se não só à realidade mas também ao mérito e à capacidade de trabalho onde as remunerações não seriam fixas mas deveriam antes incentivar o número de actos praticados – sem prejuízo da qualidade. De notar que actualmente de entre 21 Estados-membros da União Europeia parceiros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), Portugal está no grupo dos dez que mais mal paga aos médicos das especialidades hospitalares. Tal como no sector privado, os órgãos de gestão das instituições do SNS deveriam ter maior elasticidade / liberdade quer para recrutar os recursos humanos competentes quer para prescindir daqueles que não o são ou não servem adequadamente os objectivos assistenciais das instituições. Não podem coexistir e receber o mesmo vencimento: profissionais que trabalham e produzem e profissionais que não o fazem adequadamente. Este aliás é um problema estrutural que é transversal a todo o sector público – no qual está integrado o SNS. Por outro lado não se aprendeu ainda o suficiente com a bela experiência do Serviço Médico à Periferia (1975-1982) onde grupos de médicos se auto-organizavam. Sem subordinação a uma pirâmide hierárquica plena de burocracia houve a possibilidade de criar inovação adaptada à realidade de cada lugar. Eram organizações que se inventavam a si próprias e onde todos tinham acesso à estratégia adoptada pelo grupo. A possibilidade de construir uma cultura organizacional de liberdade e responsabilidade deu azo ao aparecimento de um sentimento de paixão pela mudança. A energia emocional e a motivação eram elevadas. Em consequência havia grande satisfação profissional perante os resultados positivos junto de uma população carenciada. Este é mais um exemplo que reforça a necessidade supramencionada de um novo modelo para o SNS que promova uma nova cultura organizacional de liberdade e responsabilidade. Em conclusão é necessária nova e importante reforma legislativa conferindo um novo modelo para o SNS com maior elasticidade e capacidade gestionária das instituições públicas. Esta medida é fundamental. Sem ela haverá apenas medidas mitigantes aplicadas ao tecido do SNS em vez de uma reforma de fundo que possa ser a âncora onde todas as outras se podem encaixar e serem, finalmente, eficazes. Trata-se da necessidade, afinal, de mudar uma cultura de gestão pública obsoleta compatibilizando-a com a realidade. Sem esta reforma estrutural toda e qualquer medida que se tome (por mais importante que seja) funcionará apenas como paliativo.

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