quarta-feira, 24 de outubro de 2018

O regresso des “Imortelles"


Agora deu-me para isto. Analisar fragrâncias. No fundo estou de certo modo “a festejar” o ter recuperado (ao fim de 8 meses) o olfacto que tinha perdido totalmente em Janeiro – em consequência de uma gripe. É como ter estado a contemplar uma paisagem em preto e branco e passar agora a vê-la numa festa de cores que regressam - aparentemente mais vibrantes. É uma nova “alegria olfactiva” que descubro. E uma das “cores olfactivas” que me dá muito prazer é o aroma das perpétuas das areias, “erva caril” (ou “immortelles”) que me costuma acompanhar no meu regresso da praia, ao fim da tarde, ao longo das dunas da costa alentejana – onde passo as férias de Verão. Fico sempre com uma sensação relaxante perante o odor das “immortelles” - por dentro do ar morno que emana do solo. 

Na Antiguidade, as suas flores eram muito utilizadas para fazer grinaldas, com que se coroavam os ídolos. Por conservarem por muito tempo a sua cor amarelo dourada, eram conhecidas pelo nome de imortais ou perpétuas.
Pela invulgar fragrância a lembrar o caril, as duas espécies, existentes em Portugal, são utilizadas em culinária, em pratos de arroz e vegetais. A sua inalação é por vezes apontada como possível atenuante dos sintomas da depressão e tradicionalmente utilizava-se como afrodisíaco.
Como a ocasião faz o ladrão resolvi encomendar uma fragrância (Le Mat #LeMat#) que incorpora o cheiro das “immortelles” e que é referenciada como uma das 20 obras primas da perfumaria – dos últimos 10 anos. É muito interessante, alias, a descrição feita pelo conhecido critico Luca Turin no seu ultimo livro (2018) e que não resisto a transcrever mais em baixo – no final.
Depois do frasco chegar, retirei-o da caixa de madeira que o transportou de Itália (com a carta de Tarot "Le Mat") - experimentei e fiquei de imediato seduzido pelo seu aroma balsâmico, quente e doce /sensual - com uma grande projecção. Dada a sua longevidade durante 24 horas não resisti a cheirar frequentemente a pele. Uma descoberta e uma surpresa.
Não por acaso que o perfume da Annick Goutal que mais gosto é o “Sables”. Exactamente porque também incorpora “immortelles”. Aliás o “Le Mat” não só me recordou o “Sables” mas também uma das obras primas do século passado: o “Yatagan” (mais acre e com mais Patchouly) de boa memória que usei durante meia dúzia de anos após o seu lançamento (1976) – antes da Caron dar cabo do perfume com as desastrosas 4 gerações / reformulações que se seguiram à original. 
É uma fragrância em que o cheiro quase agreste, vulcânico, e a areia quente – que nos liga à profundidade da “terra” – é, surpreendentemente, amenizado com o genial contraste doce da Rosa Centifolia de Grasse. É uma essência fora do comum também porque mantém todas as suas notas, com ligeiras flutuações, até se esbater. Ou seja, destaca-se da habitual evolução temporal das notas de topo, coração e fundo – comportando-se quase como um todo olfactivo ao longo do dia.
Quase cor de fogo – a lembrar-nos que provavelmente não será coincidência pertencer a uma empresa (Mendittorosa) sediada em Nápoles - perto do Vesúvio – é decididamente a minha fragrância (“essência”) preferida com “immortelles”!

Informação proporcionada pela empresa Mendittorosa:
Le Mat explodes with sweet earth, heaven-sent patchouli anchoring a sensual chypré homage of Rosa Centifolia from Grasse, the strange complexities of immortelle, cloves, black pepper and Egyptian geranium. A talisman of balsamic blessed absolution that will boldly defend mind and body. Perfumer: Anne-Sophie Behaghel (Flair Paris). Extrait de Parfum 25%.

"Review" pelo Luca Turin: 
“Many years ago I was standing in line with my girlfriend in a dismal Chinese takeaway in South London, well past midnight, when a young, pudgy, pale-faced young man behind us caught sight of my companion’s face. He put his hand to his mouth, took two steps back and in a shaky voice said “Blanche….. you’ve come back!” He explained that he had an obsession with a Victorian murderess, rummaged through his pockets, pulled out a wallet, from it a printed photo folded in four: the exact, uncanny, perfect likeness of my girlfriend. We left, quite shaken, and ate in awed silence.
I had a similar experience when smelling Le Mat, which is the unhoped-for reincarnation of a long-lost fragrance that means a lot to me, Lucien Lelong’s Elle..Elle.., composed by Jean Carles in 1948 and discontinued a few years later. I once had a bottle which, sadly, was emptied by a overzealous cleaner who upended it. It was (and now is again) one of the most affecting and rarest accords in perfumery: rose + camomile. Camomile has a heartfelt, hot-breath drama to it that, when mixed with the grandeur of rose, gives the impression of a combustible soul playing with matches.
I had once tried to recreate Elle… Elle… with the help of Guy Robert and Jean Carles’ son Marcel, and came pretty close. But Le Mat is closer still. It is always amazing how, within an essentially infinite combinatoric space like perfumery, some mathematical attractors seem to exist, that guide the hand of the perfumer towards forms that have more force and more meaning. This particular Angel is now back among us. Smell it before it returns to its celestial sphere.
Update: I’ve just checked Michael Edwards’ database. Le Mat was composed by Amélie Bourgeois and Anne-Sophie Behaghel at Flair. Edwards too uses the word celestial to describe it (a clear message is contained in the bottle, it seems), but to my surprise does not list camomile among the materials. Can this form be reached from different directions, possibly via the immortelle note? Mystery never quite deserts perfumery.”

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