segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Um Perfume e uma história


Há uns dias atrás deu-me para ficar curioso com o anúncio do lançamento de uma nova fragrância do conceituado perfumista Andy Tauer. Sobretudo devido ao título: ““Les années 25”. Porque 1925 foi o ano da inauguração da Exposição das Artes Decorativas” de Paris - da qual deriva o termo “Art Deco”. Art Deco que aprecio muito e que influencia obviamente o design do frasco.
Obedecendo a um impulso irresítivel encomendei rapidamente pela Net pois tratava-se de uma edição de apenas 500 exemplares para todo o mundo e estava quase esgotada.
Por outro lado também gostava de perceber até que ponto o Tauer conseguia “homeagear” sem imitar um dos grandes avatares da perfumaria lançada precisamente naquele ano e naquela exposição. O icónico Shalimar da Guerlain. Claro que me refiro ao Shalimar ainda de boa cepa produzido até à década de 1960.
Compreendi ainda que era uma tentativa de recuperar a imagem da minha mãe e dos tempos em que com ela passeava pela baixa lisboeta.
E isto porque a memória olfactiva consegue recuar até à década de 1950 quando, ainda miúdo, acompanhava-a até à “Perfumaria da Moda” (antes “Au Bonheur des Dames” e agora loja da Nespresso com o mesmo nome - no início da rua do Carmo - onde foram filmadas, em 1941, alguma cenas inesquecíveis do “Pai Tirano” de António Lopes Ribeiro).
A minha mãe e as amigas que aí se encontravam com ela - flutuavam num turbilhão de moléculas olfactivas de Shalimar. Recordo as cores dos frascos (Baccarat) com um liquído cor de cognac escuro no interior (julgo que os exemplares seriam produzidos na década de 1940 pois na altura quase tudo o que vinha “do estrangeiro” chegava anos depois) e recordo também um cheiro forte, animalesco e ao mesmo tempo doce que ficava “eternamente” a pairar.

Finalmente chegou o perfume que me apressei a experimentar e analisar.
Assim: “Les anées 25” (Eau de Parfum) é compartilhável (dizem) e tem uma grande longevidade que nos projecta para o passado enquanto permanecemos no presente. O estilo inimitável e contemporâneo dos aromas do Andy Tauer (tipo vento seco e doce no deserto) está muito mais esbatido (espreita apenas cerca de 8 horas depois) do que eu esperaria. Assim, na minha modesta opinião, esta "fragrância vintage moderna" consegue fornecer sobretudo um contexto olfativo de época (“Les Anées Folles”) sacrificando a “assinatura” típica do Tauer. De facto Imaginamos facilmente as raparigas de cabelo “à garçonnette” com as pernas descobertas agitando-se ao ritmo do "Charleston”. E a coisa é tão perfeita que, cá para mim, o Tauer fez o perfume primeiro e baptisou-o depois consoante o que este evocava – já que o olfacto está ligado aos centros da memória e das emoções.
Josephine Baker e Mistinguett certamente que iriam usar este novo perfume do Tauer que abre com tímidos acordes cítricos, de bergamota, “petit grain”, óleo de laranja e um gengibre picante fresco da Índia. Pouco depois sobressaiem a rosa búlgara, a raiz de lírio (vibrante) - que ocupam todo o centro do palco. É referido na descrição que o musgo de carvalho, a tonka, o sândalo indiano e o âmbar produzem uma aura final com Patchouli, Musk e Baunilha. Mas na minha modesta opinião o conjunto baunilha-tonka-patchouli no “day after” é quase imperceptível (not gourmand) pois fica submergido muito tempo pela rosa e sobretudo pela chicotada da raiz de lírio.
Finalmente e comparando com o Shalimar... Apesar do “Les Anées 25” ser mais intenso do que é habitual para o Tauer, o Shalimar era uma “pedrada” ainda muito maior que se espalhava pela casa toda durante dias (dava para ter dor de cabeça). No Shalimar a baunilha estava muito mais presente adocicando francamente o ultimo acto. Por outro lado no Shalimar apesar da rosa e do lírio notava-se bem o almíscar e o cheiro a “couro”- que neste perfume não registei. Ou seja o Shalimar era o verdadeiro “Scent of a Woman”.
Concluindo: “Les Anées 25” são uma máquina de regresso ao passado muito bem construída, “classy” e sedutora. Mas não a irei usar. É uma essência, na minha modesta opinião, demasiado feminina. Fantástica para oferecer à namorada por quem se está apaixonado esperando que ela o use durante um jantar à luz de velas e ou dançando ao som dos anos 20 e 30 do século XX. Sugiro "Midnight The Stars and You" pela orquesta de Ray Noble.

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