O meu interesse por versões
“vintage” de grandes perfumes levou-me uma vez mais a comprar 2 exemplares (35
ml) de um dos lendários “monstros sagrados” da perfumaria: Le Tabac Blond. Um
em frasco selado anterior a 1965 já que gravado no interior do fundo da caixa
se lê: “Rue de la Paix". Apesar de não ter sido aberto ocorreu,
naturalmente, alguma evaporação ao longo dos anos – por isso o líquido é mais
espesso e escuro - com uma hiperconcentração que certamente deve ultrapassar os
50 a 60 %.
Outro já aberto - apenas com
um pequeno resto, a fazer lembrar mel escuro, no fundo – e com uma etiqueta
dentro da respectiva caixa referindo: "104, Rue de Richelieu, Paris"
- o que permite datar o exemplar entre 1965 e 1970. Mal abri a caixa um aroma
forte envolveu-me pois o extracto tinha-se derramado – sabe-se lá quando - para
dentro da caixa embebendo esta e a gaze que o embrulhava.
Esta etiqueta desapareceria
até 1992. Entre 1992 - 1998 referia: "3, Avenue Percier, 75008
Paris"; de 1998 -1999: "40, Rue la Boetie, 75008 Paris"; desde
1999: "99, Faubourg St. Honore Paris"; entre 1999 e 2001: "99,
Faubourg St. Honore, Paris, Made in France"; depois de 2002: "99, Faubourg
St. Honore, Paris, Made in France, Bezons" e finalmente só a lista de
alergénios em 2004-2005.
Fiquei em êxtase com o aroma
que emanava da caixa impregnada que continha o exemplar já aberto (como se vê
numa das imagens). Como se tivesse (re)descoberto subitamente a lâmpada de
Aladino e o génio me tivesse transportado para um cenário tipo Guerra dos
Tronos onde eu assumia um novo personagem vestido com um couro de poderes
extraordinários e rodeado de uma aura de fumo dourado e doce. Confesso que fiquei
espantado pois não esperava que a fragrância ainda se mostrasse tão viva, com
uma enorme projecção e sem sinais aparentes de alteração provocados pelo tempo.
Foi a revelação de um aroma
“emocional”, misterioso, provocante, poderoso e ao mesmo tempo suave com uma
forte “vibe vintage”. Possui tanto a sensualidade perturbadora de uma mulher
ousada vestida para a noite como a atmosfera masculina de “nonchalance”. Em
minha opinião foi dos primeiros perfumes compartilháveis – à frente do seu
tempo – embora tenha sido criado (1919) pelo patrão (Ernest Daltroff) da Caron
para as mulheres francesas / e garçonetes de uniforme masculino que, após a
primeira guerra mundial, adoptaram o hábito de fumar em público - uma vez que o
cigarro era, naquela época, um símbolo da liberdade e da atmosfera chique /
“classy” de uma mulher.
Foi lançado no mesmo ano que
Mitsouko da Guerlain. Tanto um como o outro são ícones. Mas ao contrário do
primeiro (que ficou rapidamente famoso) o Le Tabac Blond não era uma fragrância
fácil para a época - considerado então como algo “dark” e andrógino. Não por
acaso foi adoptado por Marlene Dietrich.
A elegância do perfume (a
masterpiece of leather) é baseada na combinação original de um couro seco,
folhas de tabaco adocicado e dourado mais baunilha. É na prática o “golden
standard” das essências de couro que Inspirou mais tarde a criação do Cuir de
Russie (1924) e agora do Hyde (2018) de Hiram Green. A diferença essencial é
que os bons couros, que se contam pelos dedos de uma mão, são obtidos de
"birch tar" (alcatrão de bétula ou vidoeiro) enquanto a tralha
sintética sobretudo "mainstream" obtém-no de isoquinolonas - o que
torna a grande maioria das actuais fragrâncias baseadas em couro medíocres ou
más.
Nesta 1ª versão li que a
pirâmide olfactiva era:
Top Notes: Lime Blossom,
Linden, Carnation and Iris
Heart Notes: Ylang Ylang,
Cedar, Patchouli, and Lime Tree Leaf
Base Notes: Birch Tar Leather,
Amber, Musk, Civet, Vanilla and Ambergris
Note-se que não tem a nota
tabaco – um acorde eventualmente obtido com a combinação das outras notas.
Embora em algumas plataformas exista também a referência a Tabaco da Virginia.
No site da Caron as notas da
versão actual são: Cuir, Œillet Iris, Vetiver, Vanille, Ambre. !!!
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