Corredor do Serviço de Observações do S. Urgência do
antigo Hospital de S. José na década de 1970 (a propósito do livro recentemente editado sobre o
“espírito” dos antigos Hospitais Civis de Lisboa).
Às vezes durante os sonhos
regresso lá. Como se nunca de lá tivesse saído. E continuo a ouvir a dor nos
olhos do Doentes no S. Urgência do H. de S. José onde fazia “Banco”. Um
pesadelo de côr negra e ao vivo que pouca gente, hoje, imaginaria. Sem
condições logísticas parecia um Hospital de Campanha onde se operava de porta
aberta para o corredor do S. de Observações (S.O.) que mais parecia um campo de
refugiados de guerra onde as macas se amontoavam lado e a lado e os Doentes
ficavam deitados ao lado do sofrimento do vizinho. Eram os que já não cabiam em
4 pequenos cubículos, ao lado do corredor central, que se denominavam também
S.O. de Homens e Mulheres. Sombras na penumbra cheirando a sangue, suor e
miséria. Regresso às noites sozinho escalado num dos Balcões (de Homens e de
Mulheres) que atendiam a grande Lisboa e o Sul inteiro do país numa sala
subdividida em 3 espaços, na companhia de bêbados, sem abrigo, traumatizados
diversos, asmáticos, etc. Como foi possível conseguirmos tratar aquelas pessoas
todas só com a vontade de fazer o melhor e quase o impossível durante 24 horas
seguidas de descida ao inferno da dor humana encerrada nos antigos claustros do
edifício. Nos sonhos regresso à neblina que invadia os corredores escuros no
frio dos Invernos para distribuir mais cobertores aos que aguardavam o
veredicto do seu Destino.
Mas o extraordinário era o
“espírito” de toda uma equipa de médicos e enfermeiros que com saber e um
enorme profissionalismo davam de si o melhor num ambiente de rigor vigiado por
grandes “Mestres” na Arte Médica. E apesar de tudo - todos os que lá trabalhavam
sorriam com uma disposição positiva e contagiante. É uma fase que fica na
História da Medicina e da Saúde em Portugal. Nunca mais assisti a exemplos de tão
grande profissionalismo. Hoje as condições logísticas e tecnológicas melhoraram
mas nunca mais encontrei aquele “espírito” que unia aqueles profissionais
naquela altura (décadas de 1960 e 1970) no “Banco” de S. José. A não ser nos
quadros sempre a preto e branco que rebobino, durante os meus sonhos, nos quais
descortino a minha figura ainda ao lado de Doentes cuja história sei de cor no
Banco de S. José. Como se tivesse ficado lá.