segunda-feira, 31 de agosto de 2009

1955

(Foto do autor por fotógrafo desconhecido, em 1955, no Liceu de Pedro Nunes)
_____________________________________________________________
Enganava-me quando no início de 1955 julgava que iria ser um ano sem diferenças significativas dos imediatamente anteriores. Os lares modernizavam-se com o plástico - que iniciava aqui a sua invasão pelo mundo. Desde a “fórmica” laminada e colorida para todo o mobiliário até aos gira-discos, gravadores, electrodomésticos ou adereços de moda – tudo se começou a plastificar. Ao mesmo tempo a indústria automóvel “acelerava” e ao modernizar-se passou a contribuir definitivamente para o aumento de CO2 na atmosfera. Não existia a consciência das consequências ambientais que ambas as situações viriam a determinar na actualidade. Por outro lado desenvolvia-se um novo tipo de consumismo: o dos electrodomésticos. Outro acontecimento significativo, sobretudo analisado agora, foi o aparecimento, nesse ano, da televisão em Portugal com as primeiras experiências nas Feiras Populares (Lisboa e Porto) e a criação da RTP (as emissões regulares só se iniciariam dois anos depois). Como todos sabemos agora a televisão viria alterar muito os nossos hábitos com consequências sociológicas inimagináveis naquele ano. As pessoas passaram a telesintonizarem-se e a telesonharem. A convivialidade diminuiu, bem como a ida ao Cinema e Teatro, a publicidade tornou-se ainda mais invasiva e condicionante, e os Bancos começaram a substituir os cafés tradicionais, instituindo uma nova ordem bancária que viria a desenvolver-se até ao recente “crash”. Outro facto importante, porém, verificou-se a nível musical - em consequência de vários factores: As Sociedades de Recreio despertavam e animavam-se com um maior número de “bailes” devido ao aparecimento de uma grande novidade: o disco de 45 rotações que permitia o acesso mais democrático aos êxitos musicais. Ao mesmo tempo os jovens seguiam a moda ditada por figuras como Marlon Brando com casaco de cabedal e de James Dean com óculos Ray-Ban e jeans (morre nesse ano, depois de fazer a Este do Paraíso, ao volante do seu Porche) e começam a ouvir uma música marcada por um ritmo novo: o Rock´n roll. Num ano em que faziam êxito canções calmas e românticas como: A Blossom Fell (Nat King Cole), Only You e Great Pretender (Platters) e It´s Magic (Doris Day), surgiu o contraste “explosivo” de…
Rock Around the Clock interpretado por Bill Halley.
Canção composta por Max Freedman e James Myers, em 1952, foi gravada por Bil Halley em Abril de 1954 e publicada como lado B de um 1º disco, pretendendo integrar a banda sonora de um filme com o mesmo nome. No entanto torna-se emblemática no filme de 1955: “Blackboard Jungle” intitulado, não por acaso, pela Censura portuguesa como “Sementes de Violência”. Os jornais portugueses classificam o Rock´n Roll como dança “animalesca” e procuram conotar a música com uma “Juventude delinquente, transviada e rebelde”, fazendo ao mesmo tempo a apologia das virtudes da valsa ou do pasodoble. Sendo certo que o Rock´n Roll não começou com Rock Around the Clock, pois as suas raízes remontam a anos antes - no fermento do Rythm and Blues, foi no entanto esta canção que estabeleceu o contacto definitivo do Rock´n Roll com a Juventude, despertando-a não só para um ritmo que não conhecia, mas também para trilhar, eventualmente, caminhos mais libertários. De facto o Rock´n Roll acabava por ser uma maneira de contestar “o mundo injusto que os mais crescidos criavam” e que, esse sim, continha na altura, como vimos, “sementes de violência” (início da invasão da plastificação, desenvolvimento da indústria automóvel poluente, da televisão, de um consumismo cego e de uma ordem bancária perversa). Embora não sabendo ainda que não conseguiria modificar esse mundo, nesse Verão, de 1955, tentei compor o cabelo com Brylcreem e usei a minha primeira água-de-colónia (antes só sabonetes): Lavanda Ach. Brito, e fui ouvir o disco de Bill Halley, a uma festa, com um grupo de amigos, dado que um deles tinha conseguido trazê-lo dos EUA (só chegaria a Portugal, uma remessa de apenas 25, em Janeiro de 1956). Ia com estrelas no olhar e um sorriso mágico. Acreditava que era o 1º dia de um novo mundo melhor que começava.
VT (Este texto é uma “short version” de outro mais desenvolvido, também com o mesmo título (1955), publicado no Blog ERO)

domingo, 23 de agosto de 2009

O Lago do Parque

Na sequência da reordenação e criação de novos espaços verdes em redor do H. Termal das Caldas da Rainha, feita por Rodrigo Berquó, no final do Sec. XIX, foi inaugurado o lago do Parque D. Carlos I. Ocorreu em 1892 e foram necessárias 10.000 pipas de água para o encher. Simultaneamente foram criadas vários divertimentos para a época balnear. Um dos mais concorridos era o das “regatas” que se organizaram a partir do ano seguinte. Os jornais Caldenses noticiavam durante o Verão quais as equipas (masculinas e femininas) vencedoras em cada corrida. Sobretudo concorriam os jovens das elites caldenses e do “jet set” lusitano da altura que frequentava as Caldas – acompanhando as estadias da família real. O público assistia em redor do lago ou na “ilha” central. Cada passeio de meia hora custava 200 réis. Em 1906 surgiram gôndolas – maiores e mais difíceis de manobrar. Foram substituídas por isso e até, pelo menos à década de 1920 ainda ocorriam corridas de barcos a remos. Hoje não há regatas mas o carrossel dos barcos continua a circular em redor do Lago do Parque, como se estes executassem uma valsa sem fim, acompanhados pelos cisnes, quase recreando, por vezes, situações que nos recordam imagens do princípio do Sec. XX. Óptima ocasião para nos sentarmos com todo o tempo que afinal temos e pintarmos com os olhos.
VT

Swan Lake - Tchaikovsky

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

O Jardim da Rainha

Julgamos que o denominado Jardim da Rainha foi (re)criado, depois de 1891, aquando da reordenação dos espaços que viriam a ser o Parque e a Mata das Caldas da Rainha, no final do Sec. XIX, projectada e mandada executar por Rodrigo Berquó, integrando uma estratégia de complementaridade de equipamentos de lazer com o Hospital Termal. A Rainha a quem foi dedicado este pequeno jardim foi, muito provavelmente, a Rainha D. Amélia que, nesse tempo, visitava frequentemente as Caldas acompanhada pelo seu marido: o rei D. Carlos I – cujo nome foi atribuído ao Parque. Tenho a opinião de que a concepção deste Jardim obedeceu a uma lógica precisa. Por um lado está situado quase como uma charneira/transição entre o Parque e a Mata e em frente do Palácio Real que albergava a família real durante as suas estadias, e por outro foi construído um pequeno miradouro, num plano superior, com gradeamento sobre o jardim, onde várias cadeiras proporcionariam a contemplação daquele espaço. Acresce que alguns dos muros que rodeiam o jardim foram dotados, na face superior, de goteiras onde escorria água para os pássaros, cujo habitat era a Mata, virem beber. A vegetação e as flores obedeceram também ao mesmo critério. Isto é, atrair aves ou insectos propiciando o espectáculo “ao vivo” da Natureza aos olhos de quem se sentava no miradouro. Assim a família real poderia assistir, como se estivesse num camarote, ao desenrolar da interacção de insectos polinizadores junto das flores bem como à observação dos pássaros. Para este efeito, foi colocada no centro do jardim um Eucalipto de flor vermelha (Corymbia Ficifolia), espécie de árvore oriunda da Austrália que possui floração abundante no Verão, de coloração vermelha, e que desprende um aroma intenso, atraindo borboletas, abelhas e outros insectos. Não deixamos ainda de fazer notar o simbolismo da árvore no meio do jardim. Como se tivesse existido a intenção de fazer lembrar o jardim do Paraíso com a árvore do Conhecimento do Bem e do Mal no meio. Este jardim viria a ser destruído, quase na totalidade, por um ciclone, em Fevereiro de 1941, e depois invadido por plantas infestantes. Porém a árvore central resistiu, embora atingida, em determinado momento, pela queda de uma outra. Tive o privilégio de, enquanto Director do Centro Hospitalar das Caldas da Rainha, desencadear o processo para a recuperação do Jardim da Rainha – que ficou concluída em 2005.
VT

A Blossom Fell – Nat King Cole

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Walk in silence

O silêncio de uma árvore viva que se debruça de braços abertos
Uma árvore morta transformada em banco vazio
Sempre iguais no espaço
Simplesmente estão
Serenidade
Pássaros
Vento
Sinais
Lugar
Eu
Todos
Porta aberta no Universo

From Gardens Where We Feel Secure - Virginia Astley

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Enquanto

Enquanto as gotas da chuva caiem no pátio lá fora
Enquanto sinto o teu corpo debaixo da colcha vermelha
Enquanto te recolhes na noite azul dos meus abraços
Enquanto acaricio a luz do Verão em ti
Enquanto, lentamente, beijo os teus beijos
Enquanto te perdes dentro do meu deserto
Enquanto percorro os caminhos da tua pele
Enquanto flutuas sentada em mim
Enquanto abres as asas do teu desejo
Enquanto voamos nas cores do prazer infinito
Enquanto os nossos corpos explodem numa música impossível
Enquanto sonhava tudo isto não sabia que te iria encontrar
Por pouco não nos víamos
VT

Fly me to the moon – Nat King Cole

domingo, 16 de agosto de 2009

Lagoa adormecida

Sleepy Lagoon foi criada pelo compositor inglês, Eric Coates. A letra seria escrita mais tarde pelo americano Jack Lawrence que entusiasmado tentou convencer os “patrões” da editora Chappell a publicá-la. Foi recusado com a alegação que não seria popular e seria mais adequada para uma peça clássica “light”. Isto passava-se em 1940, em plena II guerra mundial, tendo sido extremamente difícil contactar Coates. No entanto este gostou da letra de Jack que acabou por apresentar a canção a Harry James - na altura já liderando a sua própria orquestra após ter tocado primeiro com Benny Goodman. Harry James orquestrou-a juntando uma secção de cordas ao seu trompete e o tema “explodiu” como um dos principais “hits”, em Abril de 1942, tendo-se mantido em 1º lugar durante 18 semanas. Foi também gravada, mais tarde, por Dinah Shore, Glenn Miller, Platters, etc. Foi tema de introdução de um programa de rádio, na década de 1950, em Portugal (tal como o samba Delicado tocado pela orquestra de Percy Faith). É um clássico que ainda hoje inspira ouvintes e dançarinos. Aconselhável aos românticos incuráveis, sobretudo àqueles que podem usufruir, também, do privilégio de assistir ao luar em frente de uma Lagoa.
VT
Sleepy Lagoon - Harry James

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Sob as árvores


Sob estas árvores ou aquelas árvores
(Fernando Pessoa / Ricardo Reis)

Sob estas árvores ou aquelas árvores
Conduzi a dança,
Conduzi a dança, ninfas singelas
Até ao amplo gozo
Que tomais da vida.
Conduzi a dança
E sede quase humanas
Com o vosso gozo derramado em ritmos
Em ritmos solenes
Que a nossa alegria torna maliciosos
Para nossa triste Vida que não sabe sob as mesmas árvores
Conduzir a dança...


Baraka Bansuri – Michael Stearns

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

A Clareira

No centro da clareira perdida medito e percebo que já lá estava antes de a encontrar. Iluminada pela Poesia. Um mistério que não existia. Num pequeno templo no Nepal todos me vêem com os olhos fechados.

Nepal morning – Michael Stearns e Koha Chiro Miyata

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Perto

Paz entreaberta no horizonte do canavial ondulando no pensamento ao som dos pardais. Perto do caminho do vento. VT

Mantra Organics – Michael Stearns

domingo, 2 de agosto de 2009

Black and Blue

Gene Harris foi (n. 1933 e f. 2000) um pianista de Jazz com características especiais que me seduziam em especial. O som que extraía do piano era quente e “martelado” com laivos de “gospel”. Desde 1956 exibiu o seu “soul jazz” acompanhado pelo trio “The Three Sounds”, tendo-se retirado em 1970. Foi Ray Brown que em boa hora o convenceu a regressar no início da década de 1980. Depois de tocar com Ray, Gene formou novamente o seu próprio grupo e passou a gravar para a editora: Concorde, até falecer com insuficiência renal. A sua interpretação de “Ode to Billie Joe” é considerado um clássico do Jazz, sendo muito popular a sua versão ao vivo de "Battle Hymn of the Republic”. No entanto, de entre cerca de 2 dezenas de cds, de Gene Harris, escolhi a minha faixa favorita. Do disco, de 1991, com o mesmo nome: “Black and Blue”. É fantástico o desenvolvimento do tema ao longo de cerca de 6 minutos. Só ouvindo até ao fim se pode “sentir” o que Gene nos transmitiu. Passamos a ser também música. Para a conseguir colocar aqui – acompanhando a fotografia de hoje – houve que fazer primeiro o respectivo "upload" para o "Youtube” (não existia neste site).
VT
Black and Blue – Gene Harris