quinta-feira, 26 de setembro de 2019

O Meu Serviço Médico à Periferia de 1975










Na sequência de novas abordagens e interesse sobre o extinto (em 1982) Serviço Médico à Periferia (SMP) atrevi-me a publicar este meu texto / testemunho (e imagens analógicas que fiz na altura) sobre o SMP - que vivi em 1975 - pela sua importância na História da Assistência em Portugal, pelo impulso criado para o aparecimento (4 anos mais tarde) do SNS, pelo aumento de Assistentes Hospitalares nos H. Distritais, no início da década de 1980, bem como a criação de Núcleos agregando especialistas (o Núcleo de Gastrenterologia dos H. Distritais é o melhor exemplo). Outro passo também determinante e em sequência foi a colocação nos H. Distritais de Internos dos Internatos Geral e Complementar no início da década de 1980. Consequência da "luta" que um grupo (de que fiz parte) de colegas dos H. Distritais travou nas então Comissões Regionais e Nacional do Internatos.

Os médicos que integraram o 1º ano do SMP em 1975, tinham acabado o curso em 1972 e tiveram a oportunidade de viver ainda um tempo de aprendizagem com grandes Mestres da Arte Médica durante o então denominado Ano da Prática Clínica em 1973. Fazia “Banco” no H. S. José durante 24 h seguidas gratuitamente e com o entusiasmo e alegria de aprender.Depois os jovens médicos desse mesmo curso cumpriram Serviço Militar em 1974 onde muitos de nós por indicação do MFA fazíamos incursões a várias localidades (no meu caso ao redor de Mafra) para fazermos não só educação sanitária das populações de aldeias mas também “vistorias” a várias fábricas (refrigerantes, matadouros, etc.) avaliando das condições sanitárias respectivas (e deficientes em algumas).Isto para dizer que quando iniciámos em Julho de 1975 o 1º ano do SMP muitos dos médicos já tinham um treino clínico significativo e uma boa experiência no contacto com as gentes dos povoados mais afastados. Estávamos pois mais que motivados e suficientemente “maduros” para abraçarmos o projecto do SMP.


Foi um tempo de oportunidades onde se visava corrigir as assimetrias da prestação dos cuidados de Saúde. Um tempo generoso e de esperanças que se vislumbrava logo a seguir ao 25 de Abril. Um tempo em que a Liberdade espreitava e que contribuiu para o desenvolvimento dos locais mais afastados dos grandes centros e para a consciencialização do direito aos cuidados de saúde. O nosso convívio com a população mais carente foi um tempo que não só levou uma maior educação sanitária e uma mais-valia assistencial (mais justa e solidária) a Portugueses mais necessitados mas também nos trouxe outros saberes da Arte Médica no domínio do encontro entre médico e Doente. As pegadas que deixámos iam no sentido de uma Medicina mais Humanista e menos Economicista.
Uma viagem inesquecível em 1975 ao Portugal mais profundo, pobre e isolado que desencadeou também uma maior fixação de médicos na Periferia do País. Recordo que na altura os H. Distritais – com uma área de atracção que correspondia a 75% dos Portugueses – tinham 4 vezes menos recursos humanos e camas do que os H. Centrais. Orgulho-me de ter participado no SMP. Um tempo excepcionalmente enriquecedor em que fui feliz fazendo o que fiz. Saudades das pessoas que por lá encontrei.
Em 1 de Julho de 1975 (ano em que foi implementado) iniciei o Serviço Médico à Periferia nos Concelhos de Tomar, Ferreira do Zêzere e Vila Nova de Ourém integrando um grupo (de Lisboa) em que figuravam também os colegas José Fróis, Tiberio Antunes, Albertino Barros e João e José Décio Ferreira. Com excepção dos 2 últimos elementos, que tinham casa própria, ficámos alojados no edifício da antiga messe militar de Tomar, situada junto à igreja e Convento de São Francisco. Ao lado do então Centro de Saúde de Tomar. No final foi apresentado relatório final das actividades à Direcção Geral dos Hospitais. Lembro-me de ouvir, na altura, que um dos mentores do SMP teria sido o saudoso Professor José Pinto Correia (S. Gastrenterologia do H.S Maria).
O grupo tinha autonomia própria em termos organizativos e subdividiu-se. Assim, juntamente com os colegas Tibério Antunes e José Fróis decidi não fazer serviço no velho Hospital local descentralizando a prática clinica para zonas mais periféricas onde as carências eram maiores. Assim a nossa maior actividade foi em V. N. de Ourém e Ferreira do Zêzere.
No Concelho de V. N. de Ourém realizaram-se 5607 consultas, Urgência Médica, Pequenas Cirurgias e apoio ao internamento do Asilo de V. N. de Ourém.
No Concelho de Ferreira do Zêzere, após se por a funcionar um Centro de Saúde realizaram-se 3126 consultas, Urgência Médica e Pequenas Cirurgias.
No Concelho de Tomar realizaram-se uma média de 240 consultas mensais, fez-se Medicina Escolar (1109 alunos das então Escolas Primárias e 288 do Ciclo Preparatório), Medicina do Trabalho (visita a fábricas no Concelho com levantamento das condições e rastreio cardiopulmonar).