quinta-feira, 15 de dezembro de 2022
Na Lareira da Memória
Maderas de Oriente Oscuro é facilmente associado a madeiras escuras queimadas. Para mim é uma espécie de regresso a memórias olfactivas ligadas a uma lareira portuguesa no interior do país. Há tempos publiquei aqui a sugestão de combinar o Hyde com o Slowdive. Pois bem esta fragrância é muito semelhante àquela combinação mas em vez de “birch tar” tem fumo de lareira - e também uma dose de mel mais suave.
Parece que estou a tomar um pequeno-almoço com mel caseiro à frente de uma lareira numa aldeia perdida no interior deste nosso Portugal. Lá fora há frio, chuva e o vento do Inverno. Dentro de casa aconchegamo-nos junto do fogo e o cheiro de fumo adocicado agarra-se à pele, ao cabelo e à roupa. Quando formos dormir levamos este cheiro a lareira para dentro dos cobertores e dos sonhos.
Na pele, o perfume abre forte e com um complexo aroma bastante esfumaçado, como se estivéssemos realmente a sentir perto de nós madeiras a arder. Mas não sinto o fumo como um acorde litúrgico. Antes como uma queima de madeiras aromáticas e resinosas apanhadas num bosque escuro salpicado de musgo e de cogumelos misteriosos.
Na fase intermédia acentuam-se as notas adocicadas do mel e da cereja que nos confortam e domesticam a espiral de fumo inicial. Há uma sensação também de tabaco louro e uma vibe terrosa e picante.
Não é uma criação para principiantes, nem para quem anda ainda apenas pela perfumaria “mainstream”, mas para quem procura algo diferente e conceptual. Um perfume que não trará “compliments”. Não é um aroma facilmente “wearable” mas antes para quem tem a ousadia de mergulhar provavelmente a sós numa experiência quase meditativa profunda e radical. Uma experiência em que não queremos saber de “compliments” exteriores mas apenas em estarmos recolhidos na nossa paisagem interior. Onde nos sentimos bem.
domingo, 4 de dezembro de 2022
Little Song (2018) by Meo Fusciuni
Tudo pode começar na cozinha de uma casa feita com madeiras antigas e com o aroma de um montículo de grãos de café no centro de uma mesa iluminada por um feixe de luz.
Há uma aura melancólica e introspectiva. O aroma é delicado e não projecta com bombas químicas.
Há pequenas nuvens poeirentas no ar e ao fundo abre uma porta enorme por onde entramos para uma biblioteca. As prateleiras de livros e as escadas sobre escadas conduzem a uma cúpula distante. Tão distante que temos dificuldade em perceber onde acaba o espaço surreal onde paira um perfume místico de madeiras e pergaminhos. Uma fragrância leve, suave e intimista. Um sítio de solidão e recordações doces.
Na atmosfera permanece a nota de café (em grão e não já feito na chávena) profunda e realista, repousando sobre pétalas de rosas cor de nostalgia. Este namoro poético entre o café e a rosa cede lugar gradualmente ao calor crescente do tabaco e dos tons amadeirados e resinosos. Alguém passou recentemente por aqui fumando um Cohiba.
Finalmente no drydown passa uma brisa de musk, labdanum e vetiver.
Tudo numa semiobscuridade com discretos acordes alcoólicos que convidam a um estado meditativo e abstracto. É aconchegante, “earthy” e silenciosa.
Sentamo-nos junto a uma mesa num canto escuro e misterioso. Em cima está uma máquina de escrever antiga onde dorme uma folha de papel com algumas linhas escritas. Ao lado há uma máquina de projectar. Acendo-a e num ecrã distante surge a imagem de Nick Cave. Pouco depois o som de uma das suas canções convida-nos a ficar.
Subscrever:
Mensagens (Atom)