segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Sobre o aparecimento das primeiras "Boites" (década de 1960) - no eixo Lisboa / Cascais

Reach out I ´ll be there - Four Tops

AS PRIMEIRAS "BOITES" NO EIXO LISBOA / CASCAIS
(DÉCADA DE 1960)

A década de 1960 foi muito importante, para o País, porque se foi “aprendendo” com múltiplas situações sociais que aconteceram e foram fermento para mais tarde na década seguinte surgir o 25 de Abril. A música foi uma das inúmeras peças do “puzzle” social da altura.
No início dos “sixties” os adolescentes agrupavam-se em pequenos “clãs” que frequentavam as festas nas garagens ou em casa de amigos (as) ou nas Casas de Recreio (Algarve, Alentejo, etc.), Clubes (Campolide, Campo de Ourique), Sociedade de Belas Artes, etc. Tudo combinado previamente durante a tarde nos cafés adoptados pela malta nova de casacos de cabedal e camisolas vermelho vivo. Convergíamos para o Londres, o Las Vegas, o Monte Carlo, Café Gelo, Vá-Vá, a Tentadora, a Versailles, o “Bowling” (depois cinema Londres), etc., onde entre jogos de Bowling e uns cafés se aprazava a noite. Ao mesmo tempo assistíamos aos mais velhos partirem para a “guerra de África” ou revoltarem-se na Universidade, e líamos jornais onde se utilizava uma linguagem quase codificada com subentendidos ou de “mensagens” nas entrelinhas - por causa da Censura do regime de então.
“A Lareira” foi a primeira "boite" que conheci em Lisboa. Situada na Praça das Águas Livres, entre Campolide e Campo de Ourique, apresentava-se como uma casa de chá onde se permitia dançar à hora do “lanche”, em 1964, ao som dos discos da época. Muitas das meninas ainda vinham acompanhadas pelas mamãs e o Eusébio era uma presença habitual.
Entretanto, ao mesmo tempo, na linha de Cascais começava a dançar-se em espaços já formatados como “boites”. Em vez das festas nas garagens os grupos de jovens visitam várias “capelinhas” numa mesma noite passando também pelo “Caixote” - junto ao Cinema - forrado com papéis de jornal e onde podíamos assistir à atracção de ver 2 francesas dentro de uma jaula a dançar freneticamente. Depressa se adaptam como "boites" outros espaços que já existiam como a “Ronda” no Monte Estoril (onde actuava desde 1962 o Thilo´s Combo e, mais tarde, o Quinteto Académico) e a “Choupana” na “Marginal” - frequentadas ambas essencialmente por casais já adultos. Os jovens depressa aí se misturam com outras gerações mais velhas penteados com a “banana” à Simone de Oliveira ou risca à Henrique Mendes. Mas o Palm Beach era a preferida pela Juventude e onde se podia conviver com jovens inglesas e francesas ao mesmo tempo que se desfrutava de um eventual romance “com vista para o mar”. Ao mesmo tempo que arde o Teatro D. Maria II e cai a cobertura da Estação do Cais do Sodré, têm lugar no Teatro Monumental, concursos de Rock, Twist e, mais tarde de Yé-Yé ou de mini-saias (em 1967) - fornecidas pela casa Porfírios na baixa alfacinha. Bem perto desta casa de espectáculos havia também o Porão da Nau. Noutro registo: convívio durante a ceia com muitos dos (as) nossos (as) artistas em cena pelos teatros da capital.
Mas, em 1965, ao mesmo tempo que se começam a erguer urbanizações em redor de Lisboa (Reboleira, etc.), os Centos Comerciais (o "Sol a Sol" na Av. da Liberdade foi o 1º. Os jovens passavam por lá a comprar "posters" psicadélicos e o novo aroma: Aqua di Selva.) e os Supermercados (o Modelo no Saldanha foi o 1º) iniciam a sua ascensão nos hábitos dos Portugueses, dá-se uma sucessão de inaugurações de novas "boites" - aumentando o leque de oferta e condicionando definitivamente os novos hábitos dos jovens. Em Fevereiro abre o célebre Caruncho (no Lumiar). Por aqui passam os Sheiks, o Quinteto Académico, os Claves e o consagrado cantor francês Nino Ferrer. Está na moda uma nova água-de-colónia masculina - quase todos cheirávamos a “Tabac” - e eram muito populares músicas como o “Winchester Cathedral” dos John Smith and The New Sound, o “Green green grass of home” do Tom Jones e o “Reach out I´ll be there” dos Four Tops.
Surge ainda o Calhambeque na Avenida de Roma e, finalmente, ainda em 1965, é inaugurado o mítico “Van Gogo”, onde se dança o “Guantanamera” e o som do Barry White. Mais “selecto” (decorado por Pedro Leitão) proporciona a muitos terem garrafa de whisky (sem ser de Sacavém) que lhes assegura o acesso. Só entra quem é conhecido ou faz parte do círculo do dono, o Manecas Mocelek, uma figura marcante no mundo das "boites" da década de 1960. Fica para a história o impedimento da entrada a Gina Lollobrigída vinda da festa milionária dos Patino - porque não pertencia à elite habitual.

Guantanamera - The Sandpipers

Em 1966, ao mesmo tempo que eram celebrados os “magriços” da selecção nacional - que ficou em 3º lugar no Mundial de Futebol, já os Beatles e os Stones reinavam há muito nas pistas de dança, surge (Agosto) uma das “mecas” da juventude noctívaga e dançante: o “Pop Clube” criado por Fenando Jorge Correia (mais tarde “Primorosa de Alvalade” - a partir de 1974) junto à Av. Estados Unidos da América e, em 1967, abre (em Maio), em plena “era psicadélica”, o sofisticado “Relógio”, na Lapa (às Janelas Verdes) decorada pelo dono (o artista plástico Francisco Relógio) - e que mais tarde (1970) seria transformada nos “Stones” (também de Manecas Mocelek). Usava-se a colónia “Sir” e dançava-se “San Francisco” de Scott Mckenzie.
Em 1968, no mesmo ano em que Salazar cai da cadeira, Manecas Mocelek, toma conta do Ad Lib - no 7º andar de um prédio da Rua Barata Salgueiro, decorado por Pedro Leitão (em estilo oriental) e onde eventuais “ meninos e meninas bem” impregnados de “Eau Sauvage” da Dior chegavam de elevador para se aconchegarem no vermelho do ambiente e nas cadeiras em círculo forradas a pele. É uma das "boites" obrigatórias” da noite. Apesar do som de Isaac Hayes começava a surgir outra tendência musical que faria vingar, na década seguinte, o “Disco- Sound” e que seria acentuada pelo supracitado “Stones” (com whisky a 50 escudos), depois de, em 1969, o 1º homem ter pisado a Lua e o País sobreviver a um violento sismo. Manecas Mocelek viria ainda a criar, na década de 1980, o "Bananas"em Alcântara.
É claro que terminada a “festa” e depois de passarmos por diversas “boîtes” acabava-se a noite a comer as célebres bolas de Berlim na padaria das traseiras do Van Gogo, no Cacau da Ribeira ou a cear pelo Cantinho dos Artistas no Parque Mayer - depois de dar um pulo á Galeria 48 na Avenida da Liberdade para ouvir a Maysa Matarazzo, ou de ter mergulhado no “bas-fond” do cabaré Ritz Club, da rua da Glória, onde se assistia ao strip de madonas “Fellinianas”, antes de irmos ver o nascer o dia no miradouro do Jardim de S. Pedro de Alcântara.
E as manhãs eram sempre radiosas… 

15 comentários:

Anónimo disse...

Muito interessante Vasco..
Júlia Ribeiro

Anónimo disse...

Li a sua estória sobre as boites de Lisboa e lembrei-me então de contar a estória das "boites" nas Caldas e da minha primeira estreia nas mesmas. A boite chamava-se inferno da azenha e depois de muito insintir com os meus pais que queria ir, porque se festejava o aniversário de uma amiga, lá os consegui convencer!. Pintei-me ( dentro do permitido lá em casa) e lembro-me que vesti um vestido de veludo preto com uma casaquinha de malha amarelo torrado.Acho que estava bonita ( modéstia à parte). Dei um beijo de despedida aos m/ pais e foi então que ouvi a minha mãe: " a menina tem de estar em casa à meia noite". E não é que tive que estar!.
Luísa Barbosa

Anónimo disse...

È muito interessante a sua cronologia da diversão "lisboeta", parabéns... no entanto existem sequências que não estão correctas. O POP clube é inaugurado em 1966 (projectada por Fernando Jorge Correia) e encerra em 1973, o RELÓGIO (tem projecto do próprio Relógio) e é nesse mesmo espaço que anos mais tarde nasce o STONES, que concorre com o POP na animação nocturna da capital. A Primorosa d'Alvalade é inaugurada em 1974 (no mesmo local do antigo POP).
Já agora, o Elefante Branco tem origem nos anos setenta (?)e reabre remolado em 1986

fj /2015/8/19

VT disse...

Muito obrigado FJ pelo seu contributo / informação - que tomámos em devida conta.
Bem haja

ié-ié disse...

"Winchester Cathedral" é da New Vaudeville Band.

Nas "boîtes", ainda havia o Whispers, no Estoril, mais tarde, houve outro Whispers no Imaviz, em Lisboa.

VT disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
VT disse...

O original é da New Vaudeville Band. Mas havia a versão (também de 1966) de John Smith and The New Sound que é a que recordo. Obrigado pela atenção e imformação.

Trinta e três disse...

Só uma dúvida: o Bowling que é referido como tendo depois sido o cinema Roma, não terá sido antes onde depois apareceu o cinema Londres?

VT disse...

Toda a razão. Emendado. Obrigado.

ié-ié disse...

e acaso alguém sabe datas de inauguração do Beat Clube, ali por detrás da avenida de Roma, Lisboa, do Calhambeque, ao lado, e do Charlie Brown (Campo Pequeno)...

obrigado.

Gim

VT disse...

O Beat Clube, o Calhambeque e Charlie Brown sáo da década de 1970 e posteriores à década analisada (1960).

ié-ié disse...

no Estoril era o Fishers e não Whispers!
LPA

João Fernandes disse...

Boas Vasco,
Excelente artigo!
O meu pai foi uma das pessoas que trabalhou no Caruncho quase desde o seu início, por isso se um dia quiser saber um pouco mais do que foram as boites nesse tempo, não hesites em contactar :)

Luís disse...

O caruncho era do José Furtado Leite que de vez em quando ia a Londres e trazia as novidades discográficas para uma loja de discos na duque d'Ávila e também para o caruncho.

Anónimo disse...

Obrigada por esta viagem no tempo