segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

The Real Hemingway “scent”



Krigler é uma marca lendária, selectiva, “bespoke like” e semi-misteriosa - que não é muito comentada. Mantém uma política discreta com pouca propaganda – não pactuando com o negócio de muitos “reviewers” que comentam fragrâncias a metro com elogios muitas vezes “comprados”. Semelhante a um produtor de vinho, Albert Krigler referia: “fabricamos os nossos perfumes como vinho no sul da França, onde extraímos os materiais e os deixamos descansar em barris até dois anos antes de começarmos a misturá-los com álcool com uma concentração de 25%”. Os seus 35 perfumes (EDP), são ainda comercializados pelos seus descendentes, e só podem ser adquiridos no respectivo “site”, e nas lojas de França, Berlim, Hong Kong, New York Plazza e no Four Seasons Beverly Hills. As histórias que transportam estão ligadas à realeza, a grandes estrelas do cinema e a grandes figuras da História desde o início do século XX.
São fragrâncias atraentes e de elite correspondendo ao desejo do fundador Albert Krigler de criar fragrâncias de luxo exclusivas, criadas com os melhores ingredientes do mundo. Nascido em Berlim, Albert Krigler trabalhou inicialmente para a empresa francesa Rallet como aprendiz na sua fábrica de Moscovo.
Tudo começou com amor, naturalmente. Em 1879, Albert inventou Pleasure Gardenia 79 um perfume floral como presente para conquistar a sua futura esposa.
Devido aos tumultuosos eventos ocorridos em São Petersburgo, Albert Krigler mudou-se para Berlim, em 1905, e abriu uma loja na Unter den Linden. Nesse mesmo ano, criou a sua terceira fragrância, Schoene Linden 05, para celebrar a bela avenida daquela cidade. Alguns anos depois, em 1909, Krigler mudou-se para a região de Champagne no sul de França.
A Krigler Perfumes alcançou grande fama no início dos anos 20 e era a favorita entre as celebridades da época. Os “opinion makers” e os criadores de tendências reuniam-se envolvidos em aromas de Krigler, cada um deles inspirado em locais como Monte Carlo, a Riviera Italiana e o Mediterrâneo.
Porém, em 1931, a Krigler começou a vender as suas fragrâncias em Nova York no Plaza Hotel. Em homenagem à sua casa adoptiva, Albert criou o American One 31 (os números nos frascos significam o ano em que foram criados. Neste caso em 1931), um perfume que se viria a tornar numa fragrância de culto. Ernest Hemingway, que frequentava o mesmo círculo que os Krigler, era um ávido utilizador deste perfume – que se tornou a sua assinatura odorífica. Mais tarde quando John F. Kennedy soube que Hemingway costumava usá-lo, passou também a comprar grandes quantidades e a utilizá-lo em ocasiões especiais: Quando pretendia seduzir mais uma das suas inúmeras amantes (na altura fazia, frequentemente, injecções de testosterona e de esteroides devido à sua insuficiência suprarrenal) e no dia em que se tornou presidente.
Uma aura inicial de bergamota / tangerina (mais doce do que ácida) com notas de vetiver e neroli assenta numa base com a força do cedro, do cominho e da pimenta preta. Fresco, especiado e amadeirado é exuberante / dinâmico / masculino e elegante, com um acabamento inteligente que permanece muito tempo na pele. Identifico ainda uma “vibe” discretamente adocicada que não está descrita na composição. Curiosamente fez-me ler um pouco o "Renaissance" da Xerjoff. Foi adoptada posteriormente também por George Clooney e pelo presidente Clinton.
Na década de 1930, Marlene Dietrich apareceu no estúdio Krigler e apaixonou-se pelo perfume Lieber Gustav 14, uma fusão de couro, chá preto e lavanda - que se tornou o primeiro perfume unissex da casa. Também era utilizado por F. Scott Fitzgerald - enquanto escrevia “Tender Is the Night”. Grace Kelly escolhia aromas Krigler exclusivamente para cada ocasião ou para cada papel que interpretava. Por exemplo, usou Chateau Krigler 12 na noite em que ganhou um Oscar no filme “The Country Girl”, em 1955. Audrey Hepburn usava English Promenade19 durante as filmagens de “We Go to Monte Carlo” e de "Roman Holiday" com Gregory Peck. O fabuloso Patchouli 55 foi o perfume de cabeceira da princesa Victoria da Suécia e de Jackie Kennedy e é actualmente o preferido de Annette Bening. Catherine, Duquesa de Cambridge, e a Princesa Charlene do Mónaco são fãs do Extraordinaire Camelia 209. Também é muito conhecido o Oud for Highness 75 encomendado pelo rei Hussein da Jordânia. Outros dos seus perfumes foram também usados por Pablo Picasso, Zelda Fitzgerald, Rudolph Valentino, Max Beckmann e Colette.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

Sex, drugs & Perfume



Decidi conhecer as várias fragrâncias da Moresque e no geral achei que são muito intensas / bold, lineares e muito caras. Gostei, no entanto, do Al Andalus (com um belo açafrão bem acompanhado pelo gengibre e pimenta preta), do Rand (um Aventus no feminino - floral e com um abacaxi também bem condimentado) e do White Duke.
Acabei por me decidir pelo bem mais masculino e recente (2019) White Duke – inspirado pela figura fascinante de Gabriele D'Annunzio e que, me faz sentir o ambiente das primeiras décadas do século XX - tal como o imagino.
TOP NOTES:
Bergamot, Geranium from Egypt, Clary Sage
HEART NOTES:
Amber, Balsam of Peru, Thyme, Opoponax
BASE NOTES:
Benzoin, Incense, Patchouli
Um perfume que, após a breve abertura cítrica e condimentada, é marcado pelo protagonismo da sensualidade doce do Âmbar e do mistério do incenso. Com boa duração (cerca de 12h) tem uma projecção moderada. O balsâmico do oponax temperado pelo patchouli conferem uma vibe a lembrar o Yatagan - o que é um ponto a favor para o meu gosto. No final o drydown na pele é suave e doce. Tal como D'Annunzio é uma fragrância provocante, sedutora, e desencadeando sensações fortes.
É irresistível relembrar Gabriele D'Annunzio que foi não só um grande, poeta, escritor (O Triunfo da Morte) e teatrólogo italiano. Desenvolveu paralelamente à carreira literária uma excêntrica carreira política. Protagonista de uma vida de excessos, d’Annunzio fez do estetismo o seu próprio estilo de vida (o seu lema de vida), procurando sempre novas sensações. Com a declarada intenção de constituir em Itália a prosa narrativa moderna, assimilou as características principais do decadentismo europeu e a busca incessante da Beleza. Na primeira década do século XX d’Annunzio era provavelmente o poeta italiano mais famoso na Europa. Visto como um diabo com uma escrita de anjo, D’Annunzio permanece indiscutivelmente irresistível: Sem dúvida, o melhor escritor italiano do seu tempo, um esteta que faria Oscar Wilde parecer um mero burguês, um sedutor com o tacto e apetite de Casanova, um fanático político e um orador de voz suave e apaixonante.
Tornou-se famoso com o romance O Prazer, de 1889, dedicado à atriz Eleonora Duse com quem viveu um romance tempestuoso. Um romance entre muitos que lhe foram atribuídos. Era lendário o seu apetite e performance sexual. Viveu com várias mulheres simultaneamente (cita-se que a paixão de algumas as terá levado ao suicídio). Organizava orgias ao ritmo de cocaína no seu palácio como um precursor de Hugh Hefner com as coelhinhas da Playboy. O seu palácio faustuoso, que reflectia os seus excessos e o seu esteticismo, situava-se (e situa) na margem norte do lago de Garda no norte de itália (o maior lago da Itália, com 5 ilhas, localizado na província de Bréscia), e estendendo-se por uma área de cerca de 370 km a uma altitude de 65 metros sobre o nível do mar).
Em redor da sua casa há um labirinto de jardins secretos e fantásticos, há aviões e barcos da 1ª Guerra Mundial, há cascatas, estátuas, um auditório ao estilo grego, ameias de uma fortaleza e no topo de um monte há o seu mausoléu guardado por enormes de cães de pedra.
A casa é um museu de peças fantásticas, em geral da época, onde não há quase espaço entre elas – quer nas paredes, quer nos móveis, quer na casa de banho com banheira e lavatório em Lápis-lazúli rodeadas por dezenas de frascos de perfumes, loções, etc. Um lugar mágico a merecer uma visita (ver vídeo em anexo).
Foi também um herói da 1ª Guerra Mundial - onde esteve ao lado dos Aliados - tendo-se distinguido comandando frotas de aviões. Alcançou celebridade como piloto de caça (perdeu a visão de um olho num acidente aéreo). Entre os diferentes feitos e ficou célebre a conquista da cidade de Fiume (hoje Rijeka na Croácia), em 12 de setembro de 1919, liderando um exército de 2000 italianos. Nesse local D’Annunzio auto-proclamou-se "Duce" (caudilho / Duke) e inventou o gesto que mais tarde na 2ª Guerra Mundial seria copiado por Hitler e Mussolini. A sua figura (de bigode revirado) também inspiraria mais tarde Salvador Dali. Em 1937 foi eleito presidente da Academia Real Italiana). D'Annunzio morreu de um acidente vascular cerebral (há autores que afirmam que tal aconteceu “às mãos” de uma das várias “playmates” com quem coabitava – uma loira tirolesa de nome Emy Huefler) em sua casa em 1 de março de 1938. Teve funeral de Estado.

sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Viagem ao Centro da Terra

Muitos de nós conhecemos pela primeira vez o aroma de patchouli na década de 1970, e associamos o cheiro à época dourada do movimento hippie e de Woodstock. No entanto a Oficina Perfumaria-Farmacêutica Santa Maria Novella (que celebrou recentemente 400 anos de actividade) - situada em Florença -, já comercializava a sua colónia de Patchouli durante o século XIX. De facto esta farmácia descobriu as propriedades aromáticas da planta quando reparou que os capitães de navios que vinham das Indias usavam folhas frescas de patchouli para cobrir as cargas valiosas (geralmente seda) que transportavam, porque o aroma de cânfora do Patchouli as protegiam de infestações durante longas viagens. Ou seja o Patchouli desta marca era proveniente da Índia e da Malásia. A respectiva fragrância foi pois lançada há mais de 100 anos e teve um grande sucesso na transição dos séculos XIX e XX. Actualmente é um clássico que se redescobre. Citado por muitos “especialistas” como o melhor e ou o “Holy Graal” das fragrâncias com dominância de Patchouli – que neste caso é de altíssima qualidade e a única nota.
Com surpresa descobri há dias que afinal existe numa pequena povoação do Portugal profundo uma loja que vende os produtos desta marca. De imediato adquiri um frasco de Patchouli que chegou hoje.
Hoje quando a chuva está mais forte e há um cheiro forte a terra húmida que emana do meu quintal. Tempo de usar o Patchouli SMN e de uma viagem ao centro da terra - não pela escrita do Júlio Verne mas por um aroma primitivo e profundo.
Afinal sou feito de terra. Da terra vim e para a terra vou. Com uma abertura de grande intensidade – e surpreendente para EDC - mergulha-se em terra recentemente molhada pela chuva guiados por um Patchouli de cor vermelha. Após cerca de 30 minutos os estratos geológicos passam a castanho claro e o aroma é picante, almiscarado, amadeirado e discretamente cânforado (mas não “medicinal”).
Finalmente, aos 60 minutos, desembarcamos numa ilha rodeada de lava dourada. O aroma é quente tóxico / exótico, oriental e almiscarado. O centro da Terra. Onde nos sentimos como parte integrante da calma que reina no coração do planeta. Os ombros finalmente descansam por dentro. Durante 24 horas contemplamos as maravilhas de um silêncio mineral desabitado há milénios. Apesar de ligeiramente assustadora no início a paisagem é redentora no final quando redescobrimos a sensação doce e sensual dos chocolates da nossa infância. Um regresso a outra dimensão parada no tempo - de onde serei projectado - ainda com um “scent skin”, por um qualquer vulcão, na próxima manhã, novamente para a loucura da Humanidade que grassa à superfície. Uma experiência única. A experimentar e obviamente a repetir. 

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

"LES PLUS BELLES LAVANDES”

“Pour un homme” (criado em 1934) é uma das grandes obras-primas da história da perfumaria e tem vindo a ter cada vez mais um merecido reconhecimento, na actualidade, por muita gente que a (re)descobre. Sou um confesso fã das fragrâncias Caron e usei esta fragrância na década de 1980 que “guardei” na minha memória olfactiva.
Ao ter adquirido agora um frasco "splash" pré 1969 (com uma coroa como logo) criou-se a oportunidade de a poder comparar com a actual (não considerei flankers) e com o que me lembro da que usei na década de 1980 (o logo passou a ser um circulo a partir de 1973). Por outro lado pesquisei também as diferentes embalagens / frascos ao longo do tempo, cujas imagens aqui publico – permitindo uma datação que poderá ser útil a quem tem a paciência de me ler. Ver em cada imagem a descrição e o ano. Abstenho-me de escrever sobre a história da Caron, do perfumista e da história de amor na génese deste perfume – pois são do conhecimento geral.
São de facto 3 patamares e composições diferentes (todas boas) onde diferentes lavandas e diferentes percentagens entre as notas ditam resultados necessariamente diferentes. Julgo pertinente dizer que houve e há lavandas e lavandas. De facto apesar de terem surgido primeiro em Inglaterra (Croydon e Mitcham) as melhores e mais doces lavandas crescem numa região perto de Grasse em França. Não devem ser colocadas “no mesmo saco” com as Lavandinas que são plantas de qualidade aromática inferior por vezes também utilizadas em perfumaria. Perante a experiência que fiz não posso deixar de pensar que as Lavandas utilizadas nas versões pré 1969 do “Pour un Homme” (PuH) eram excepcionais e provavelmente já não existem mais. Não por acaso que as primeiras embalagens de PuH tinham escrito: "Les Plus Belles Lavandes" – tal como nos cartazes publicitários de 1938 a 1961. Frase que desapareceu no início da década de 1980. Depois da II grande guerra terminar, Pour Un Homme de Caron tornou-se uma fragrância icónica, utilizada por políticos e estrelas como: Serge Gainsbourg, Jonhny Hallyday, François Mitterrand e James Dean.
1 - Pre-1960:
Top notes: Bergamot, Lavender, Lemon, Rosemary
Middle/Heart: Cedarwood, Clary Sage, Rose, Rosewood
Base: Oakmoss, Musk, Tonka Bean, Vanilla
Acho que a lavanda aqui é tão pura que é possível imaginar a beleza aromática dos campos de Valensole, Provence - num dia quente de Verão, pouco antes da colheita. Poesia dentro de uma garrafa para aqueles como nós que sucumbem a esta paixão da arte olfactiva. A composição é mais complexa do que a actual e o aroma é mais denso e mais “estruturado”. A Lavanda é quente e agradável e tem maior protagonismo. É também uma fragrância menos “vanílica” do que a formulação atual. O Musk tem uma vibe ambarina e o equilíbrio e a profundidade são fabulosos e superiores à versão actual.
A lavanda possui, em ambos os lados do seu núcleo herbáceo, notas dispersas que tendem para o menta ou para o caramélico, mas Pour un Homme mostra que se pode habilmente misturar uma lavanda caramélica com uma base oriental discreta e quente, mantendo uma frescura geral que inexplicavelmente dura horas e horas com um scent skin apoiado pelo oakmoss +Tonka bean e pelo que me pareceu (para meu espanto) uma leve pitada de civet - o que explicaria uma boa conservação! Provavelmente o melhor perfume de lavanda (golden standard) que existe.
2 – Do que me lembro nos anos 80s-90s "Pour un Homme" tinha uma cor mais escura e uma versão com características intermédias entre as 2 outras. Com mais notas do que a actual (cítricos? Bergamota e limão?). Talvez a mais “green” de todas mas não tão leve como a actual. Em relação com a versão anterior a baunilha começou a aumentar e a lavanda (mais mint) a diminuir. O Musk era intenso e parece-me que tinha civet em contraponto – mas não juro.
3 - Para a versão actual o site Fragrantica refere menos ingredientes: Lavender, Baunilha e Musk (enquanto o Site da Caron diz que é âmbar!!!???). O liquido é de um verde mais claro com um aroma mais “light / clean” e simples. Com mais baunilha (mais adocicada) e menos Lavanda do que a versão original. É bom mas na minha modesta opinião inferior às versões anteriores - e com uma longevidade também menor.

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

“The Real Thing”


O meu interesse por versões “vintage” de grandes perfumes levou-me uma vez mais a comprar 2 exemplares (35 ml) de um dos lendários “monstros sagrados” da perfumaria: Le Tabac Blond. Um em frasco selado anterior a 1965 já que gravado no interior do fundo da caixa se lê: “Rue de la Paix". Apesar de não ter sido aberto ocorreu, naturalmente, alguma evaporação ao longo dos anos – por isso o líquido é mais espesso e escuro - com uma hiperconcentração que certamente deve ultrapassar os 50 a 60 %.
Outro já aberto - apenas com um pequeno resto, a fazer lembrar mel escuro, no fundo – e com uma etiqueta dentro da respectiva caixa referindo: "104, Rue de Richelieu, Paris" - o que permite datar o exemplar entre 1965 e 1970. Mal abri a caixa um aroma forte envolveu-me pois o extracto tinha-se derramado – sabe-se lá quando - para dentro da caixa embebendo esta e a gaze que o embrulhava.
Esta etiqueta desapareceria até 1992. Entre 1992 - 1998 referia: "3, Avenue Percier, 75008 Paris"; de 1998 -1999: "40, Rue la Boetie, 75008 Paris"; desde 1999: "99, Faubourg St. Honore Paris"; entre 1999 e 2001: "99, Faubourg St. Honore, Paris, Made in France"; depois de 2002: "99, Faubourg St. Honore, Paris, Made in France, Bezons" e finalmente só a lista de alergénios em 2004-2005.
Fiquei em êxtase com o aroma que emanava da caixa impregnada que continha o exemplar já aberto (como se vê numa das imagens). Como se tivesse (re)descoberto subitamente a lâmpada de Aladino e o génio me tivesse transportado para um cenário tipo Guerra dos Tronos onde eu assumia um novo personagem vestido com um couro de poderes extraordinários e rodeado de uma aura de fumo dourado e doce. Confesso que fiquei espantado pois não esperava que a fragrância ainda se mostrasse tão viva, com uma enorme projecção e sem sinais aparentes de alteração provocados pelo tempo.
Foi a revelação de um aroma “emocional”, misterioso, provocante, poderoso e ao mesmo tempo suave com uma forte “vibe vintage”. Possui tanto a sensualidade perturbadora de uma mulher ousada vestida para a noite como a atmosfera masculina de “nonchalance”. Em minha opinião foi dos primeiros perfumes compartilháveis – à frente do seu tempo – embora tenha sido criado (1919) pelo patrão (Ernest Daltroff) da Caron para as mulheres francesas / e garçonetes de uniforme masculino que, após a primeira guerra mundial, adoptaram o hábito de fumar em público - uma vez que o cigarro era, naquela época, um símbolo da liberdade e da atmosfera chique / “classy” de uma mulher.
Foi lançado no mesmo ano que Mitsouko da Guerlain. Tanto um como o outro são ícones. Mas ao contrário do primeiro (que ficou rapidamente famoso) o Le Tabac Blond não era uma fragrância fácil para a época - considerado então como algo “dark” e andrógino. Não por acaso foi adoptado por Marlene Dietrich.
A elegância do perfume (a masterpiece of leather) é baseada na combinação original de um couro seco, folhas de tabaco adocicado e dourado mais baunilha. É na prática o “golden standard” das essências de couro que Inspirou mais tarde a criação do Cuir de Russie (1924) e agora do Hyde (2018) de Hiram Green. A diferença essencial é que os bons couros, que se contam pelos dedos de uma mão, são obtidos de "birch tar" (alcatrão de bétula ou vidoeiro) enquanto a tralha sintética sobretudo "mainstream" obtém-no de isoquinolonas - o que torna a grande maioria das actuais fragrâncias baseadas em couro medíocres ou más.
Nesta 1ª versão li que a pirâmide olfactiva era:
Top Notes: Lime Blossom, Linden, Carnation and Iris
Heart Notes: Ylang Ylang, Cedar, Patchouli, and Lime Tree Leaf
Base Notes: Birch Tar Leather, Amber, Musk, Civet, Vanilla and Ambergris
Note-se que não tem a nota tabaco – um acorde eventualmente obtido com a combinação das outras notas. Embora em algumas plataformas exista também a referência a Tabaco da Virginia.
No site da Caron as notas da versão actual são: Cuir, Œillet Iris, Vetiver, Vanille, Ambre. !!!

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Um blusão de couro


Hoje vesti um blusão de couro de meados do século passado. Finalmente chegou uma “masterpiece” que tem andado um pouco "esquecida": KnizeTen “vintage” - but still alive after all these years - no seu frasco antigo de 125 ml. (Toilete Water inscrito dentro da etiqueta redonda) e com a fórmula original (pré código de barras). Um descendente e herdeiro directo do Le Tabac Blond (de 1919). Knize Ten nasceu em 1925 pela mão de François Coty e Vincent Roubert. Respectivamente “o homem que inventou a grande perfumaria” e o autor do célebre Iris Gris (de Jacques Fath). O “Cuir de Russie” (1924) é um primo afastado porque tem um Iris floral que retira algum protagonismo ao couro.
É o único dos “grande couros” elegantes, andróginos e ousados que sobreviveu desde os anos vinte do século passado. Existe como um veterano do após 1ª Guerra Mundial que actualmente é quase ignorado.
Durante muito tempo parou a sua produção mas felizmente reapareceu com um couro “à maneira” rodeado por uma aura de âmbar esfumaçado. Abre com um beijo de cítricos e frutas e fecha mais profundo vestindo-nos com um sobretudo de castóreum, musk e musgo de carvalho. Ou seja é uma obra-prima (favorita de James Dean e David Niven) que todos os que gostam de perfumes deveriam experimentar pelo menos uma vez na vida. Um must try.

sexta-feira, 8 de novembro de 2019

Wonderful


Uma fragrância que continua a ser excepcional mas comparando com uma versão de 1965 é mais light / “powdery”, menos “poderosa / ousada”, um pouco mais floral e com menos couro e menos tabaco. Mas talvez por isto tudo aparentemente mais “wearable”. Claro que a comparação é um pouco injusta na medida em que na versão “vintage” houve uma evaporação ao longo dos anos tornando-a mais concentrada e por isso mais forte, com um couro mais “hard but not shanky” e com um tabaco doce a fazer lembrar uma longínqua cachimbada de Mayflower que nos chega com uma brisa de Outono. It´s wonderful... wonderful....

segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Um Dia De Chuva.


Hoje é um dia particularmente cinzento sublinhado pela chuva persistente nos vidros das janelas. Deixo mais uma vez a barba por fazer e abrigo-me numa poltrona ao canto da biblioteca. Um foco de luz ilumina apenas os livros na mesinha em frente. Escolho um com gravuras de personagens destemidos enfrentando mares adversos ao sabor de uma sinfonia de Vetiver no aroma de Hemingway da Masque Milano.

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

O Meu Serviço Médico à Periferia de 1975










Na sequência de novas abordagens e interesse sobre o extinto (em 1982) Serviço Médico à Periferia (SMP) atrevi-me a publicar este meu texto / testemunho (e imagens analógicas que fiz na altura) sobre o SMP - que vivi em 1975 - pela sua importância na História da Assistência em Portugal, pelo impulso criado para o aparecimento (4 anos mais tarde) do SNS, pelo aumento de Assistentes Hospitalares nos H. Distritais, no início da década de 1980, bem como a criação de Núcleos agregando especialistas (o Núcleo de Gastrenterologia dos H. Distritais é o melhor exemplo). Outro passo também determinante e em sequência foi a colocação nos H. Distritais de Internos dos Internatos Geral e Complementar no início da década de 1980. Consequência da "luta" que um grupo (de que fiz parte) de colegas dos H. Distritais travou nas então Comissões Regionais e Nacional do Internatos.

Os médicos que integraram o 1º ano do SMP em 1975, tinham acabado o curso em 1972 e tiveram a oportunidade de viver ainda um tempo de aprendizagem com grandes Mestres da Arte Médica durante o então denominado Ano da Prática Clínica em 1973. Fazia “Banco” no H. S. José durante 24 h seguidas gratuitamente e com o entusiasmo e alegria de aprender.Depois os jovens médicos desse mesmo curso cumpriram Serviço Militar em 1974 onde muitos de nós por indicação do MFA fazíamos incursões a várias localidades (no meu caso ao redor de Mafra) para fazermos não só educação sanitária das populações de aldeias mas também “vistorias” a várias fábricas (refrigerantes, matadouros, etc.) avaliando das condições sanitárias respectivas (e deficientes em algumas).Isto para dizer que quando iniciámos em Julho de 1975 o 1º ano do SMP muitos dos médicos já tinham um treino clínico significativo e uma boa experiência no contacto com as gentes dos povoados mais afastados. Estávamos pois mais que motivados e suficientemente “maduros” para abraçarmos o projecto do SMP.


Foi um tempo de oportunidades onde se visava corrigir as assimetrias da prestação dos cuidados de Saúde. Um tempo generoso e de esperanças que se vislumbrava logo a seguir ao 25 de Abril. Um tempo em que a Liberdade espreitava e que contribuiu para o desenvolvimento dos locais mais afastados dos grandes centros e para a consciencialização do direito aos cuidados de saúde. O nosso convívio com a população mais carente foi um tempo que não só levou uma maior educação sanitária e uma mais-valia assistencial (mais justa e solidária) a Portugueses mais necessitados mas também nos trouxe outros saberes da Arte Médica no domínio do encontro entre médico e Doente. As pegadas que deixámos iam no sentido de uma Medicina mais Humanista e menos Economicista.
Uma viagem inesquecível em 1975 ao Portugal mais profundo, pobre e isolado que desencadeou também uma maior fixação de médicos na Periferia do País. Recordo que na altura os H. Distritais – com uma área de atracção que correspondia a 75% dos Portugueses – tinham 4 vezes menos recursos humanos e camas do que os H. Centrais. Orgulho-me de ter participado no SMP. Um tempo excepcionalmente enriquecedor em que fui feliz fazendo o que fiz. Saudades das pessoas que por lá encontrei.
Em 1 de Julho de 1975 (ano em que foi implementado) iniciei o Serviço Médico à Periferia nos Concelhos de Tomar, Ferreira do Zêzere e Vila Nova de Ourém integrando um grupo (de Lisboa) em que figuravam também os colegas José Fróis, Tiberio Antunes, Albertino Barros e João e José Décio Ferreira. Com excepção dos 2 últimos elementos, que tinham casa própria, ficámos alojados no edifício da antiga messe militar de Tomar, situada junto à igreja e Convento de São Francisco. Ao lado do então Centro de Saúde de Tomar. No final foi apresentado relatório final das actividades à Direcção Geral dos Hospitais. Lembro-me de ouvir, na altura, que um dos mentores do SMP teria sido o saudoso Professor José Pinto Correia (S. Gastrenterologia do H.S Maria).
O grupo tinha autonomia própria em termos organizativos e subdividiu-se. Assim, juntamente com os colegas Tibério Antunes e José Fróis decidi não fazer serviço no velho Hospital local descentralizando a prática clinica para zonas mais periféricas onde as carências eram maiores. Assim a nossa maior actividade foi em V. N. de Ourém e Ferreira do Zêzere.
No Concelho de V. N. de Ourém realizaram-se 5607 consultas, Urgência Médica, Pequenas Cirurgias e apoio ao internamento do Asilo de V. N. de Ourém.
No Concelho de Ferreira do Zêzere, após se por a funcionar um Centro de Saúde realizaram-se 3126 consultas, Urgência Médica e Pequenas Cirurgias.
No Concelho de Tomar realizaram-se uma média de 240 consultas mensais, fez-se Medicina Escolar (1109 alunos das então Escolas Primárias e 288 do Ciclo Preparatório), Medicina do Trabalho (visita a fábricas no Concelho com levantamento das condições e rastreio cardiopulmonar).