segunda-feira, 25 de novembro de 2019
sexta-feira, 22 de novembro de 2019
Viagem ao Centro da Terra
Muitos de nós
conhecemos pela primeira vez o aroma de patchouli na década de 1970, e
associamos o cheiro à época dourada do movimento hippie e de Woodstock. No
entanto a Oficina Perfumaria-Farmacêutica Santa Maria Novella (que celebrou
recentemente 400 anos de actividade) - situada em Florença -, já comercializava
a sua colónia de Patchouli durante o século XIX. De facto esta farmácia
descobriu as propriedades aromáticas da planta quando reparou que os capitães
de navios que vinham das Indias usavam folhas frescas de patchouli para cobrir
as cargas valiosas (geralmente seda) que transportavam, porque o aroma de
cânfora do Patchouli as protegiam de infestações durante longas viagens. Ou
seja o Patchouli desta marca era proveniente da Índia e da Malásia. A
respectiva fragrância foi pois lançada há mais de 100 anos e teve um grande
sucesso na transição dos séculos XIX e XX. Actualmente é um clássico que se
redescobre. Citado por muitos “especialistas” como o melhor e ou o “Holy Graal”
das fragrâncias com dominância de Patchouli – que neste caso é de altíssima
qualidade e a única nota.
Com surpresa
descobri há dias que afinal existe numa pequena povoação do Portugal profundo
uma loja que vende os produtos desta marca. De imediato adquiri um frasco de
Patchouli que chegou hoje.
Hoje quando a
chuva está mais forte e há um cheiro forte a terra húmida que emana do meu
quintal. Tempo de usar o Patchouli SMN e de uma viagem ao centro da terra - não
pela escrita do Júlio Verne mas por um aroma primitivo e profundo.
Afinal sou
feito de terra. Da terra vim e para a terra vou. Com uma abertura de grande
intensidade – e surpreendente para EDC - mergulha-se em terra recentemente
molhada pela chuva guiados por um Patchouli de cor vermelha. Após cerca de 30
minutos os estratos geológicos passam a castanho claro e o aroma é picante,
almiscarado, amadeirado e discretamente cânforado (mas não “medicinal”).
Finalmente, aos 60 minutos, desembarcamos numa
ilha rodeada de lava dourada. O aroma é quente tóxico / exótico, oriental e
almiscarado. O centro da Terra. Onde nos sentimos como parte integrante da
calma que reina no coração do planeta. Os ombros finalmente descansam por
dentro. Durante 24 horas contemplamos as maravilhas de um silêncio mineral desabitado
há milénios. Apesar de ligeiramente assustadora no início a paisagem é redentora
no final quando redescobrimos a sensação doce e sensual dos chocolates da nossa
infância. Um regresso a outra dimensão parada no tempo - de onde serei
projectado - ainda com um “scent skin”, por um qualquer vulcão, na próxima manhã,
novamente para a loucura da Humanidade que grassa à superfície. Uma experiência
única. A experimentar e obviamente a repetir.
quarta-feira, 20 de novembro de 2019
segunda-feira, 18 de novembro de 2019
sexta-feira, 15 de novembro de 2019
"LES PLUS BELLES LAVANDES”
“Pour un homme” (criado em
1934) é uma das grandes obras-primas da história da perfumaria e tem vindo a
ter cada vez mais um merecido reconhecimento, na actualidade, por muita gente
que a (re)descobre. Sou um confesso fã das fragrâncias Caron e usei esta
fragrância na década de 1980 que “guardei” na minha memória olfactiva.
Ao ter adquirido agora um
frasco "splash" pré 1969 (com uma coroa como logo) criou-se a
oportunidade de a poder comparar com a actual (não considerei flankers) e com o
que me lembro da que usei na década de 1980 (o logo passou a ser um circulo a
partir de 1973). Por outro lado pesquisei também as diferentes embalagens /
frascos ao longo do tempo, cujas imagens aqui publico – permitindo uma datação
que poderá ser útil a quem tem a paciência de me ler. Ver em cada imagem a
descrição e o ano. Abstenho-me de escrever sobre a história da Caron, do
perfumista e da história de amor na génese deste perfume – pois são do
conhecimento geral.
São de facto 3 patamares e
composições diferentes (todas boas) onde diferentes lavandas e diferentes
percentagens entre as notas ditam resultados necessariamente diferentes. Julgo
pertinente dizer que houve e há lavandas e lavandas. De facto apesar de terem
surgido primeiro em Inglaterra (Croydon e Mitcham) as melhores e mais doces
lavandas crescem numa região perto de Grasse em França. Não devem ser colocadas
“no mesmo saco” com as Lavandinas que são plantas de qualidade aromática
inferior por vezes também utilizadas em perfumaria. Perante a experiência que
fiz não posso deixar de pensar que as Lavandas utilizadas nas versões pré 1969
do “Pour un Homme” (PuH) eram excepcionais e provavelmente já não existem mais.
Não por acaso que as primeiras embalagens de PuH tinham escrito: "Les Plus
Belles Lavandes" – tal como nos cartazes publicitários de 1938 a 1961.
Frase que desapareceu no início da década de 1980. Depois da II grande guerra
terminar, Pour Un Homme de Caron tornou-se uma fragrância icónica, utilizada
por políticos e estrelas como: Serge Gainsbourg, Jonhny Hallyday, François
Mitterrand e James Dean.
1 - Pre-1960:
Top notes: Bergamot, Lavender,
Lemon, Rosemary
Middle/Heart: Cedarwood, Clary
Sage, Rose, Rosewood
Base: Oakmoss, Musk, Tonka
Bean, Vanilla
Acho que a lavanda aqui é tão
pura que é possível imaginar a beleza aromática dos campos de Valensole,
Provence - num dia quente de Verão, pouco antes da colheita. Poesia dentro de
uma garrafa para aqueles como nós que sucumbem a esta paixão da arte olfactiva.
A composição é mais complexa do que a actual e o aroma é mais denso e mais
“estruturado”. A Lavanda é quente e agradável e tem maior protagonismo. É
também uma fragrância menos “vanílica” do que a formulação atual. O Musk tem
uma vibe ambarina e o equilíbrio e a profundidade são fabulosos e superiores à
versão actual.
A lavanda possui, em ambos os
lados do seu núcleo herbáceo, notas dispersas que tendem para o menta ou para o
caramélico, mas Pour un Homme mostra que se pode habilmente misturar uma
lavanda caramélica com uma base oriental discreta e quente, mantendo uma frescura
geral que inexplicavelmente dura horas e horas com um scent skin apoiado pelo
oakmoss +Tonka bean e pelo que me pareceu (para meu espanto) uma leve pitada de
civet - o que explicaria uma boa conservação! Provavelmente o melhor perfume de
lavanda (golden standard) que existe.
2 – Do que me lembro nos anos
80s-90s "Pour un Homme" tinha uma cor mais escura e uma versão com
características intermédias entre as 2 outras. Com mais notas do que a actual
(cítricos? Bergamota e limão?). Talvez a mais “green” de todas mas não tão leve
como a actual. Em relação com a versão anterior a baunilha começou a aumentar e
a lavanda (mais mint) a diminuir. O Musk era intenso e parece-me que tinha
civet em contraponto – mas não juro.
3 - Para a versão actual o
site Fragrantica refere menos ingredientes: Lavender, Baunilha e Musk (enquanto
o Site da Caron diz que é âmbar!!!???). O liquido é de um verde mais claro com
um aroma mais “light / clean” e simples. Com mais baunilha (mais adocicada) e
menos Lavanda do que a versão original. É bom mas na minha modesta opinião
inferior às versões anteriores - e com uma longevidade também menor.
quarta-feira, 13 de novembro de 2019
“The Real Thing”
O meu interesse por versões
“vintage” de grandes perfumes levou-me uma vez mais a comprar 2 exemplares (35
ml) de um dos lendários “monstros sagrados” da perfumaria: Le Tabac Blond. Um
em frasco selado anterior a 1965 já que gravado no interior do fundo da caixa
se lê: “Rue de la Paix". Apesar de não ter sido aberto ocorreu,
naturalmente, alguma evaporação ao longo dos anos – por isso o líquido é mais
espesso e escuro - com uma hiperconcentração que certamente deve ultrapassar os
50 a 60 %.
Outro já aberto - apenas com
um pequeno resto, a fazer lembrar mel escuro, no fundo – e com uma etiqueta
dentro da respectiva caixa referindo: "104, Rue de Richelieu, Paris"
- o que permite datar o exemplar entre 1965 e 1970. Mal abri a caixa um aroma
forte envolveu-me pois o extracto tinha-se derramado – sabe-se lá quando - para
dentro da caixa embebendo esta e a gaze que o embrulhava.
Esta etiqueta desapareceria
até 1992. Entre 1992 - 1998 referia: "3, Avenue Percier, 75008
Paris"; de 1998 -1999: "40, Rue la Boetie, 75008 Paris"; desde
1999: "99, Faubourg St. Honore Paris"; entre 1999 e 2001: "99,
Faubourg St. Honore, Paris, Made in France"; depois de 2002: "99, Faubourg
St. Honore, Paris, Made in France, Bezons" e finalmente só a lista de
alergénios em 2004-2005.
Fiquei em êxtase com o aroma
que emanava da caixa impregnada que continha o exemplar já aberto (como se vê
numa das imagens). Como se tivesse (re)descoberto subitamente a lâmpada de
Aladino e o génio me tivesse transportado para um cenário tipo Guerra dos
Tronos onde eu assumia um novo personagem vestido com um couro de poderes
extraordinários e rodeado de uma aura de fumo dourado e doce. Confesso que fiquei
espantado pois não esperava que a fragrância ainda se mostrasse tão viva, com
uma enorme projecção e sem sinais aparentes de alteração provocados pelo tempo.
Foi a revelação de um aroma
“emocional”, misterioso, provocante, poderoso e ao mesmo tempo suave com uma
forte “vibe vintage”. Possui tanto a sensualidade perturbadora de uma mulher
ousada vestida para a noite como a atmosfera masculina de “nonchalance”. Em
minha opinião foi dos primeiros perfumes compartilháveis – à frente do seu
tempo – embora tenha sido criado (1919) pelo patrão (Ernest Daltroff) da Caron
para as mulheres francesas / e garçonetes de uniforme masculino que, após a
primeira guerra mundial, adoptaram o hábito de fumar em público - uma vez que o
cigarro era, naquela época, um símbolo da liberdade e da atmosfera chique /
“classy” de uma mulher.
Foi lançado no mesmo ano que
Mitsouko da Guerlain. Tanto um como o outro são ícones. Mas ao contrário do
primeiro (que ficou rapidamente famoso) o Le Tabac Blond não era uma fragrância
fácil para a época - considerado então como algo “dark” e andrógino. Não por
acaso foi adoptado por Marlene Dietrich.
A elegância do perfume (a
masterpiece of leather) é baseada na combinação original de um couro seco,
folhas de tabaco adocicado e dourado mais baunilha. É na prática o “golden
standard” das essências de couro que Inspirou mais tarde a criação do Cuir de
Russie (1924) e agora do Hyde (2018) de Hiram Green. A diferença essencial é
que os bons couros, que se contam pelos dedos de uma mão, são obtidos de
"birch tar" (alcatrão de bétula ou vidoeiro) enquanto a tralha
sintética sobretudo "mainstream" obtém-no de isoquinolonas - o que
torna a grande maioria das actuais fragrâncias baseadas em couro medíocres ou
más.
Nesta 1ª versão li que a
pirâmide olfactiva era:
Top Notes: Lime Blossom,
Linden, Carnation and Iris
Heart Notes: Ylang Ylang,
Cedar, Patchouli, and Lime Tree Leaf
Base Notes: Birch Tar Leather,
Amber, Musk, Civet, Vanilla and Ambergris
Note-se que não tem a nota
tabaco – um acorde eventualmente obtido com a combinação das outras notas.
Embora em algumas plataformas exista também a referência a Tabaco da Virginia.
No site da Caron as notas da
versão actual são: Cuir, Œillet Iris, Vetiver, Vanille, Ambre. !!!
segunda-feira, 11 de novembro de 2019
Um blusão de couro
Hoje vesti um blusão de couro
de meados do século passado. Finalmente chegou uma “masterpiece” que tem andado
um pouco "esquecida": KnizeTen “vintage” - but still alive after all
these years - no seu frasco antigo de 125 ml. (Toilete Water inscrito dentro da
etiqueta redonda) e com a fórmula original (pré código de barras). Um
descendente e herdeiro directo do Le Tabac Blond (de 1919). Knize
Ten nasceu em 1925 pela mão de François Coty e Vincent Roubert. Respectivamente
“o homem que inventou a grande perfumaria” e o autor do célebre Iris Gris (de
Jacques Fath). O “Cuir de Russie” (1924) é um primo afastado porque tem um Iris
floral que retira algum protagonismo ao couro.
É o único dos “grande couros”
elegantes, andróginos e ousados que sobreviveu desde os anos vinte do século
passado. Existe como um veterano do após 1ª Guerra Mundial que actualmente é
quase ignorado.
Durante muito tempo parou a
sua produção mas felizmente reapareceu com um couro “à maneira” rodeado por uma
aura de âmbar esfumaçado. Abre com um beijo de cítricos e frutas e fecha mais
profundo vestindo-nos com um sobretudo de castóreum, musk e musgo de carvalho. Ou
seja é uma obra-prima (favorita de James Dean e David Niven) que todos os que
gostam de perfumes deveriam experimentar pelo menos uma vez na vida. Um must
try.
sexta-feira, 8 de novembro de 2019
Wonderful
Uma fragrância que continua a
ser excepcional mas comparando com uma versão de 1965 é mais light / “powdery”,
menos “poderosa / ousada”, um pouco mais floral e com menos couro e menos
tabaco. Mas talvez por isto tudo aparentemente mais “wearable”. Claro que a
comparação é um pouco injusta na medida em que na versão “vintage” houve uma
evaporação ao longo dos anos tornando-a mais concentrada e por isso mais forte,
com um couro mais “hard but not shanky” e com um tabaco doce a fazer lembrar
uma longínqua cachimbada de Mayflower que nos chega com uma brisa de Outono.
It´s wonderful... wonderful....
quarta-feira, 6 de novembro de 2019
segunda-feira, 4 de novembro de 2019
Um Dia De Chuva.
Hoje é um dia particularmente
cinzento sublinhado pela chuva persistente nos vidros das janelas. Deixo mais
uma vez a barba por fazer e abrigo-me numa poltrona ao canto da biblioteca. Um
foco de luz ilumina apenas os livros na mesinha em frente. Escolho um com
gravuras de personagens destemidos enfrentando mares adversos ao sabor de uma
sinfonia de Vetiver no aroma de Hemingway da Masque Milano.
sábado, 2 de novembro de 2019
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