sábado, 25 de abril de 2009

Equipa médica do S. Urgência do Hospital de S. José no dia 25 de Abril de 1974


Na manhã, do dia 25 de Abril de 1974, levantei-me muito cedo pois estava escalado para fazer urgência no H. de S. José. Tinha dormido profundamente e não ouvira qualquer notícia sobre os acontecimentos despoletados durante a noite. Morava com os meus pais em Campolide e como de costume dirigi-me para o Hospital, no meu Triumph GT6 de cor verde-escuro, pela Av. Castilho junto ao Parque Eduardo VII. Confesso que pelo caminho, perante as ruas desertas, se foi instalando uma sensação de, momentaneamente, estar a fazer parte de um filme de ficção em que as pessoas desaparecem quase todas, ficando apenas algumas à superfície da Terra. Esta sensação desapareceria totalmente quando perto do Rádio Clube Português deparei com uma "barragem" de blindados e de militares - que me deram "ordem" para parar e voltar para casa. Ao mesmo tempo que eu explicava que estava escalado para a Urgência do H. S. José, ia-me inteirando do que se estava a passar. Quando me apercebi do que se tratava, exultei incitando os militares a continuarem a sua acção - manifestando claramente o meu contentamento. Acabei por ser escoltado até S. José, para poder passar, sem demoras, por outras eventuais "barreiras" militares, e entrei com um Jipe à frente pelo túnel do velho edifício hospitalar. A equipa médica de serviço (na foto estou de cócoras) era a do Dr. Jorge Girão, cirurgião de grande craveira técnica, humana e cultural. O ambiente era de euforia e, simultaneamente, de preocupação pelo eventual aparecimento de grande número de feridos. Felizmente só se verificou a entrada de uma única pessoa ferida, sem gravidade, em consequência dos acontecimentos. Tratava-se de uma senhora que tentava regressar a casa atravessando o Tejo de barco para a margem sul e que fora atingida, acidentalmente, perto da Praça do Comércio - com um estilhaço de bala perdida junto à coluna. Como eu estava responsável pelo S. de Observações de mulheres e crianças (uma sala escura num dos extremos do serviço, apenas com cerca de 20 m2 e que servia a maior parte da zona da grande Lisboa e o sul inteiro do país) a Doente ficou sob os meus cuidados, acabando depois por ser transferida para o S. de Ortopedia. Mas o ambiente geral que se viveu é inesquecível. Todos (ou quase) sorriam abertamente com um sentimento - de grande Fraternidade - contagioso. Confraternizava-se com os próprios Doentes... oferecíamos coisas uns aos outros... e sentíamos como se estivesse-mos perante o início de um novo país. Lembrar Abril é, pois, também lembrar que existe, em nós, essa potencialidade. E que essa Fraternidade pode sempre, em qualquer altura, repetir-se.
A foto foi colhida num pátio interior do H. S. José em frente da cantina (acanhadíssima) onde tomávamos as refeições (porta ao fundo).
VT

4 comentários:

J J disse...

O 25 de Abril de 1974 foi um dos poucos dias em que fui à aula prática das 8 da manhã. "Tapado" a faltas, não tive outro remédio senão ir.
Recordo também o Metro e a 28 de Maio (hoje Av das Forças Armadas)completamente desertos.
E a admiração da assistente, de bata e cara branca, amedrontada: "Mas você, que nunca cá pôe os pés, o que é que vem cá fazer hoje?".

agata disse...

Gostava de ter estado no 25 de abril de 1974 por acaso...e nos anos seguintes...devem ter sido únicos e duvido que hajam mais alguns assim tão mágicos!
Tens sorte de ter nascido quando nasces-te, a tempo de passar por isso tudo!
beijinhos

Anónimo disse...

Eufóricamente o início de um novo país, continuará a ser esse "novo" país, assim saibamos redescobrir em nós a Fraternidade de que fala e, saibamos caminhar até à maturidade.

Anónimo disse...

Concordo plenamente.