segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Grandella - Sinopse para um filme

Vestígios da muralha que delimitava, há cerca de 1 século, o Palacete Grandella no Monte do Facho, Foz do Arelho


Fool on the hill – The Beatles

1940... As primeiras imagens desenrolam-se durante as escavações nas fundações do antigo palacete Grandella para adaptação a uma Colónia de Férias (a FNAT, e que mais tarde se viria a denominar INATEL). Chove torrencialmente... Subitamente é encontrado, pelos trabalhadores, nas fundações do antigo palácio, um canudo de metal com uma mensagem no interior... Grandella, o homem que gostava de surpreender tinha deixado enterrada uma última surpresa... Seis anos após o seu falecimento... surgia um último documento que de imediato, levantou celeuma, porque se julgou indicar o local onde teria escondido algum dos seus fabulosos tesouros... O homem que viajava em 3ª classe porque – dizia: “que era filho de gente pobre" e colocava os filhos em 1ª classe "porque eram filhos de gente rica", mantendo uma personalidade rica de contrastes, previu ainda uma última palavra... Antes de se desenrolar e decifrar o que estava escrito no documento, a objectiva foca a assinatura: FAG (Francisco de Almeida Grandella)... ... A mesma que se lê agora num quadro... estamos em 1923... Grandella tem 70 anos e está a acabar de pintar um quadro sobre a lagoa de Óbidos e a falésia do “gronho” que se estendem em frente da janela manuelina do seu palacete – que erigira entre 1898 e 1907... Reflecte longamente... O seu mundo pessoal está em vias de extinção (morreria 11 anos depois) em paralelo com o desaparecimento do outro mundo lá fora... a sociedade com que se identificava, como a conheceu, sonhou e... de certo modo moldou. Resolve interromper a pintura para escrever mais uma carta ao seu amigo e companheiro de tantos projectos e aventuras: o arquitecto Rosendo Carvalheira. Enquanto escreve a sua voz vai-nos contando que o Dr. Pulido Valente lhe diagnosticou Diabetes, que decidira escrever um livro autobiográfico e lamenta-se que vai ter que hipotecar as fábricas de Benfica porque a casa Grandella enfrenta graves problemas financeiros... Grandella apostara numa curta duração para a Grande Guerra, adiando o pagamento aos fornecedores estrangeiros, esperando que o conflito passasse depressa, de molde a vir a pagar com um câmbio favorável. Como tal não aconteceu teve que suportar juros elevadíssimos e, em 1921, surgiu o 1º balanço negativo dos seus armazéns. Era o início da queda do seu império. Do seu refúgio predilecto na Foz do Arelho, inicia então o relato da sua própria história descrevendo a sua partida para Lisboa, em Outubro de 1865, com 12 anos... o filme “materializa” então o discurso de Grandella com as imagens da sua viagem para Lisboa, acompanhado pela prima Miquelina, e a chegada à capital onde o esperava uma chuva torrencial (que reapareceria sempre nos grandes momentos da vida de Grandella) dando início e continuidade a todo o percurso de Grandella. ... As imagens passam a descrever a criança após a chegada a Lisboa e, pouco depois, o início da sua vida comercial, e os episódios que foram pontos marcantes do seu êxito comercial... e durante os quais chovia sempre, como por exemplo em 1881 quando, em consequência dos seus preços serem os mais baixos, e de outros comerciantes o terem acusado de vender artigos de contrabando, ter colocado, de imediato, letreiros à porta anunciando: "chegaram mais fazendas de contrabando" e acabar por vender ainda muito mais para desespero dos concorrentes que tinham posto o boato a circular... Descrevem ainda o homem de múltiplas facetas, cuja vida foi uma aventura empolgante e cuja personalidade carismática foi extremamente popular; que fora um comerciante genial construindo um império da moda, quase a partir do nada, tendo sido pioneiro de técnicas de publicidade e de venda (do “mail order business”) só exploradas no final do Sec.XX, surpreendendo frequentemente com a sua imaginação e sentido de oportunidade; que desempenhou um papel significativo - integrado nos movimentos republicano e maçónico - no derrube da Monarquia (Lei da separação do Estado e Igreja executada por Afonso Costa, em 1911, na sua casa da Foz do Arelho); que ao salvaguardar os direitos, dos seus empregados, ao descanso semanal e à educação, bem como ao proporcionar boas condições de trabalho - apoiadas pela construção de uma creche, de uma escola, de um bairro operário e de uma Caixa de Socorros -, deu um exemplo de eficiência e justiça e mostrou o que a Monarquia vigente poderia ter feito e não fez; que deu uma especial atenção aos problemas da Educação, sobretudo ao analfabetismo, em Portugal construindo várias escolas – que ofereceu mais tarde ao Estado; que era simultaneamente austero, simples e hospitaleiro mas vivia por vezes no meio de certo espalhafato; que era um "gourmet" da vida que "cegava" quando as paixões (foram várias as mulheres na vida de FAG) o tocavam; que era perseverante nas suas acções filantrópicas apesar dos frequentes impulsos de fantasia, mas possuidor de uma enorme generosidade e ao mesmo tempo implacável na vingança; que procurara criar, constantemente, paraísos artificiais nos quais colocava animais que importava de outos países e que tinha sido fundador do lendário grupo gastronómico: "Os Makavenkos", onde pontuavam as grandes figuras da transição dos séculos XIX-XX, como Bordalo Pinheiro e outros... ... Regressamos à cena de 1923... Enquanto Grandella dá os últimos retoques na pintura, vão saindo as notícias nos jornais de então sobre os acontecimentos da sua última década (Em 1927, a hipoteca de 5500 contos sobre as fábricas de Benfica; em 1928 adoece gravemente e escreve o seu curiosíssimo testamento, enquanto a Casa Grandella solicita empréstimo de 3 mil contos; em 1929 novo empréstimo, de 1200 contos, e FAG deixa indicações para o seu próprio funeral; em 1931 escreve possuído de uma enorme nostalgia o Auto do Cipreste; em 1932 a administração da Casa Grandella passa a ser exercida pelo Banco Porto Covo & e Cª; em 20 de Setembro às 20h de 1934 – morre no alto do seu monte do Facho na Foz do Arelho)... Finalmente o filme regressa ao seu início... desvendando-se então o documento... A mensagem afinal reflectia sobre o facto de a terem encontrado. Era sinal que tinham destruído o seu património, o seu mundo, o império que Grandella tinha construído com tanto entusiasmo e amor... No entanto recomendava aos novos donos, à Foz do Arelho e em geral, a sua divisa de sempre “Sempre por bom caminho e segue”... Desejava, ainda para a Foz do Arelho (com quem tinha uma relação de amor) um desenvolvimento turístico, que desejava harmonioso, e para o qual via a necessidade de um "plano geral" que evitasse futuros "aleijões" urbanísticos... Desejava uma nova Veneza – com palacetes por entre os quais serpenteavam brilhando as águas da lagoa de Óbidos...

13 comentários:

J J disse...

Foi com acrescido prazer que publicámos simultâneamente no nosso Blog este post.Não só porque VT acedeu à nossa proposta de parceria como também por recebermos e ajudarmos a divulgar um contributo para a história de Caldas da Rainha.Escrito de uma forma que obriga à leitura de um fôlego, como o autor tão bem sabe fazer.
Citando um recente comentador no Blog do ERO: queremos mais!
Um abraço
Ex Alunos ERO

Anónimo disse...

Li com interesse o texto sobre o Republicano Grandella,cujo percurso de vida não me sendo totalmente desconhecido,reflecte a postura de alguém que conquistou vida com o seu espírito inteligente e empreendedor,revelando igualmente certos tiques-"O homem que viajava em 3ª classe porque – dizia: “que era filho de gente pobre" e colocava os filhos em 1ª classe porque "eram filhos de gente rica"-de uma classe endinheirada que emergiu na época.
Um pormenor muito engraçado,premonitório,a chuva torrencial que sempre o "abençoou"...nos momentos mais altos da sua vida.
"The dreamer on the hill",sem ofensa para os Beatles...um tema muito bem escolhido.
Dou-lhe os meus parabéns,pela evocação em Heavenly de uma personalidade da República.
MV

João Ramos Franco disse...

Obrigada, Vasco Trancoso e parabéns (muito bem arrancado). “Grandella - Sinopse para um filme”, vejo-o de dois modos, do primeiro já o João Serra falou e estou plenamente de acordo com as suas palavras. O segundo, está em ter escolhido um personagem, de entre os muitos que viveram ou nasceram em Caldas da Rainha, e que devem ser recordados…
Um abraço do amigo
João Ramos Franco

Maria Gotte disse...

Li com muito interesse a história de Grandella que desconhecia completamente! É sempre gratificante conhecer os locais onde cenas de um filme,ou livro se desenrolam, mas duplamente, no caso particular da Foz do Arelho,tão significante pela sua invulgar beleza e as doces memórias que invariávelmente nos evoca! Muito interessante como as cenas se intercalam...a manter o suspense!! Mágnifico! Os meus parabéns!
São Cx

Fátima Clérigo disse...

Tanto quanto julgo saber, um considerável espólio de materiais referentes a Francisco de Almeida Grandela deu lugar em curto espaço de tempo à “feitura” de um livro, contendo a história das relações estreitas entre Grandella e a Foz do Arelho, pela 1ª vez editado em 1994, que viria a redundar numa 2ª edição em Março de 2009.

Na sequência deste post, agora partilhado entre dois blogues, ocorreu-me perguntar a VT, em jeito de “pequena entrevista” :

- O que o motivou a escrever um livro sobre a vida de Francisco Almeida Grandella ( recentemente reeditado - 14 anos após a 1ª edição)?

Eis a resposta:
“ Seduziu-me o entusiasmo transbordante que tinha pela Foz do Arelho/Caldas da Rainha, a Filantropia/Solidariedade - como hábito, e a personalidade multifacetada tipo “Citizen Kane” português…”

Sucinta e objectiva a resposta, contudo, revelando grandiosidade na sua essência…tal como a Sinopse do filme que agora e aqui antevemos...
Muitos Parabéns !

Bjs
Fátima Clérigo

J J disse...

Fool On the Hill, como todas as composições dos Beatles, tem sido alvo de inúmeras tentativas de interpretação. As mais comuns identificam o “Fool” com Jesus, Hitler, Galileo Galilei, Karl Marx , Ghandi ou Maharishi Mahesh Yogi. Porque não Grandella?

No seu livro “Yesterday”, Alistair Taylor relata um passeio com Paul McCartney em Primrose Hill num dia muito ventoso em que encontraram um senhor muito bem vestido no cimo de uma colina. Trocaram breves palavras que, segundo Alistair, revelaram ser um indivíduo culto e de contacto agradável que, perante a magnífica vista de Londres, elogiou a obra de Deus. A cadela de Paul, Martha, pareceu assustar-se com a presença do estranho e começou a correr. Nos breves instantes em que a chamaram e convenceram a voltar, o homem desapareceu. Um facto inexplicável, já que era um enorme descampado, o que impressionou profundamente os dois e levou Paul a compôr o tema.

No filme Magical Mistery Tour, onde a canção aparece pela primeira vez, o Fool On The Hill é Paul, que contempla Nice.

O tema "Solsbury Hill", de Peter Gabriel, tem sido geralmente encarado como sendo uma reinterpretação pessoal desta canção, mas o sempre lacónico compositor/intérprete nunca o negou nem confirmou.

Não há obras-primas sem um toque de mistério e controvérsia….

Anónimo disse...

Muito interessante, Vasco. Consigo estou sempre a aprender. Bjs. Libania

VT disse...

Agradeço sensibilizado as visitas de todos (surpreendeu-me a quantidade) e todos os comentários super-simpáticos, revelando entusiasmo pelo assunto e pela ideia de um filme sobre uma figura fascinante como Grandella. A proposta de um filme surgiu pela 1ª vez aquando da minha intervenção durante o lançamento da 1ª edição (1994) do livro “Grandella e a Foz do Arelho” no actual Inatel e… foi então entusiasticamente apoiada pelo Dr. Mário Soares – que esteve presente na cerimónia. Continuo a acreditar que poderia ser um tema com os “ingredientes” suficiente para a realização de um filme com êxito - mesmo para além das nossas fronteiras.
Bem hajam
VT

julia pires disse...

Ainda não tinha encontrado esta informação na Net. Fico muito contente pois este tem sido um dos meus objectivos . Trabalho na CML no Espaço Grandella em Benfica. Faço visitas guiadas ao bairro com a informação disponivel. Será que podemos falar pessoalmente?
Ficaria encantada e muito agradecida!
Até breve espero... Gostaria de falar consigo, se possivel pessoalmente.Este homem francisco de Almeida grandella tem estado quase esquecido e é um exemplo de cidadania incontornável dos fins da monarquia aos tempos da 1ª républica. de algum modo considero que viveu antes do seu tempo.
è preciso que a memória se não apague!
Júlia Pires

Dylan disse...

Não conhecia. Obrigado pela partilha.

Unknown disse...

Sou bisneto de Francisco Grandella. Gostei do que li, gostei da forma correcta (e literária) como descreveu alguns aspectos da vida do meu bisavô.
Passei este verao pela Foz e fiquei com pena da alteraçao que foi feita no frontespicio. Obras dos Armazens Grandella... mas que erro ou ingratidao. Obra de um homem. Do Grandella, aliás mensagem que ficou retida em todas as outras escolas. Quando passar pelas Caldas outra vez gostaria de o rever. Pedro Pessoa e Costa

Maria Virgínia Machado disse...

Não sei como mas ainda me consegue surpreender. E consigo aprendo coisas que não sabia e vejo também outras formas de ver...
Bem haja!

Fernando Noronha Leal disse...

Fazemos as pazes com este País quando encontramos alguém com o talento e a sensibilidade de Vasco Trancoso.
Conhecia-o de vista mas não sabia QUEM era !
Parabéns.