sexta-feira, 8 de março de 2013

Kaos


Symphony Nº3 (Symphony of Sorrowful Songs) - Henryk Górecki 


A CRISE E OS PORTUGUESES A PROPÓSITO DE UM LIVRO
Muitas vezes a propósito de um livro escreve-se que este é obrigatório ou seminal. No caso de “Kaos” obra póstuma (1981) de Ruben A. será verdade. 
Ruben A. (Rúben Alfredo Andresen Leitão) foi (1920-1975) um escritor para o qual muita gente não estava (está) preparada e por isso pouco descoberto. Um caso ímpar, em Portugal, na escolha dos temas, no humor fino e no arrojo e originalidade da escrita.
O tema de “Kaos” é perfeitamente actual e atravessa e atravessa-nos neste momento, na casa em que vivemos que é este nosso País, em que só as moscas são diferentes numa tragicomédia em que idealismo e ganância, patriotismo e conveniência, tendem a confundir-se por distracção ou ausência de Culturiosidade, fingindo-se que não se percebe ou não se dá por isso.
As 250 páginas avassaladoras de “Kaos” disparam ininterruptamente rajadas de frases que atingem em cheio o córtex frontal da mentalidade portuguesa. Apesar de descrever o País entre 1900-1916,mistura Passado e Presente. Vasco Pulido Valente referiu (e bem desta vez) que “O Kaos é aparentemente a República. Mas também é 1820, o Liberalismo, a Revolução (1974), Portugal”.
Ruben A. relata, num registo alucinante e propositadamente tresloucado/irónico, a loucura mansa da realidade Portuguesa. Sem moralismos ou orgulhos serôdios - desnuda a alma lusitana como quem disseca na aula de biologia as manhas e certezas de um qualquer animal. Num diagnóstico terrível sobre o panorama nacional em que os tipos de pessoas renascem constantemente em cada geração como actores cujo guião é fazer mais do mesmo para nada mudar ou mudar muito pouco. Assim, periodicamente, o País é inundado pelo medo e, em vez de nadar, fica paralisado prestes a afogar-se. Então só consegue recorrer a tiques que ficaram do tempo da Inquisição - que se sente ainda - invisível a serpentear pelas ruas onde se vocifera, se denuncia e se diz mal - a cavalo na inveja e na vingança -, onde ninguém liga aos cardumes de problemas e à desolação dos outros. Nas páginas do livro, onde ontem e hoje se confundem em cenários surreais, Comemora-se na véspera a data de revoluções que se espera acontecer, e reunimos muito, vigiamos e falamos diariamente uns com os outros sentados na hipocrisia, no desejo de vencer sem trabalhar, a assistir à trafulhice organizada, à pandilha que governa, ao compadrio descarado e à corrupção constante e quase nunca punida porque o único dos gatunos que foi acometido de doença súbita e morreu foi impossível de identificar na casa mortuária da Justiça. 
Implacável, Ruben A. refere que serve apenas para ver e fazer ver numa procura no dentro de um nós que é eu. Quem mergulhar nas primeiras dezenas de páginas fica envolvido pelo ritmo acelerado das frases e mergulha ainda mais no esplendor da escrita sem saber como regressará depois. Atreva-se e descubra um dos grandes livros de sempre da Literatura Portuguesa.

3 comentários:

Anónimo disse...

Não conhecia, mas vou em busca dele, depois comento,um grande abraço.
Jose Carlos Favas

Anónimo disse...

Ruben A. é sempre uma excelente sugestão de leitura, seja com este Kaos, seja com a Torre de Barbela em que ele faz o mesmo "jogo" de ficcionar simultaneamente realidades nacionais de várias épocas.
Joao Jales

Anónimo disse...

Gostei desta sinopse do livro...vou querer saber mais dele e do seu autor. Obrigada.