Enfermaria do Hospital dos Capuchos em 1976
Lacrimosa
- Mozart
Na sequência de anteriores
posts sobre o “Espírito” dos antigos Hospitais Civis de Lisboa (HCL) - assunto
sobre o qual foi recentemente publicado um livro - e também acerca da notícia
da recente extinção daquela Entidade, bem como de serem públicas as intenções do
Estado em transformar o conjunto hospitalar dos HCL em hotéis e habitação (criticado
por instituições internacionais e entendido por muitos como uma agressão histórica, urbana e
científica, de quem não consegue retirar ensinamentos e potenciar a experiência
dos HCL ou de outros hospitais antigos integrados e funcionais na malha
citadina como os casos de Londres, Paris, Badajoz, etc.), atrevo-me a continuar
a colocar aqui no blogue mais alguns apontamentos sobre aquela prestigiada
Instituição.
Tendo como ponto de partida o triângulo:
Pulido Valente, Reinaldo dos Santos e o Prof. Wohlwill (Anatomia Patológica), nas
primeiras décadas do século XX, formou-se um conjunto de discípulos destes com uma enorme qualidade (Celestino da Costa, Fernando da Fonseca, Cascão
de Anciães, etc.) que, a partir da década de 1920, ajudam a solidificar as bases de uma
grande Escola Médico Cirúrgica nos antigos HCL, que viria a completar-se
(tornando-se quase lendária) a partir da década de 1940.
Colocado nos HCL durante o
início da década de 1970 testemunhei ainda aquele “Espírito” onde todos
ensinavam e todos queriam aprender num ambiente de grande camaradagem em que
dávamos o máximo das nossas capacidades como que tentando, ao mesmo tempo, “sublimar”
as deficientes condições logísticas. Situação que se prestava à vivência de
experiências inusitadas e de fantásticas “peripécias” clínicas.
A particular atenção que
mereciam as Visitas aos Doentes das Enfermarias era um dos pontos principais da
actividade clínica. Muitas delas eram quase medievais e estavam sempre atulhadas de Doentes com as mais diversas doenças
(inclusive infecciosas), sofrendo e morrendo em simples catres, muitas vezes
sem privacidade e ou dignidade. Em compensação as Equipas de profissionais da Saúde
ultrapassavam-se a si próprias desdobrando-se em cuidados e atenção aos seus
Doentes. Quer os Internos (a quem eram ditribuídos grupos de camas que eram denominadas: "Tiras" - em gíria hospitalar) quer os colegas mais graduados estudavam Doente a
Doente com meticulosidade e grande empenho. Depois de pesquisas aturadas na
literatura mundial todos procuravam mostrar as suas aptidões e saberes -
integrando uma “filosofia” própria dos HCL, que os mais velhos transmitiam e preservavam
- para benefício dos Doentes que eram observados “ombro a ombro” com regras de
excelência - desde o modo como eram colhidas e escritas as suas “histórias” até
às respectivas “marchas” diagnóstica e terapêutica. A aprendizagem contínua e intensiva,
bem como o aperfeiçoamento de uma Ética profissional rigorosa foram contributos
que não só fizeram escola nos antigos HCL mas também constituíram ponto alto na
modulação de comportamentos profissionais que influenciaram gerações que
posteriormente difundiram a “diáspora” dos HCL por muitos Hospitais
Distritais do País. Um modo muito particular de estar ao lado dos
Doentes.
5 comentários:
Excelente!
Oh my god!
Manuela Gama Vieira
Há memória destas imagens.
Rosa Rodrigues
Recordo-me bem, em 1968 era Delegado de Propaganda Médica e visitava médicos nos H. C. L. .
João Ramos Franco
Há 41 anos uma enfermaria do Curry Cabral conseguia ser pior que esta. Eu estive lá eu sei.
Lurdes Enxuto
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