quarta-feira, 24 de julho de 2013

As antigas Enfermarias dos HCL


Enfermaria do Hospital dos Capuchos em 1976


Lacrimosa - Mozart

Na sequência de anteriores posts sobre o “Espírito” dos antigos Hospitais Civis de Lisboa (HCL) - assunto sobre o qual foi recentemente publicado um livro - e também acerca da notícia da recente extinção daquela Entidade, bem como de serem públicas as intenções do Estado em transformar o conjunto hospitalar dos HCL em hotéis e habitação (criticado por instituições internacionais e entendido por muitos como uma agressão histórica, urbana e científica, de quem não consegue retirar ensinamentos e potenciar a experiência dos HCL ou de outros hospitais antigos integrados e funcionais na malha citadina como os casos de Londres, Paris, Badajoz, etc.), atrevo-me a continuar a colocar aqui no blogue mais alguns apontamentos sobre aquela prestigiada Instituição.
Tendo como ponto de partida o triângulo: Pulido Valente, Reinaldo dos Santos e o Prof. Wohlwill (Anatomia Patológica), nas primeiras décadas do século XX, formou-se um conjunto de discípulos destes com uma enorme qualidade (Celestino da Costa, Fernando da Fonseca, Cascão de Anciães, etc.) que, a partir da década de 1920, ajudam a solidificar as bases de uma grande Escola Médico Cirúrgica nos antigos HCL, que viria a completar-se (tornando-se quase lendária) a partir da década de 1940.
Colocado nos HCL durante o início da década de 1970 testemunhei ainda aquele “Espírito” onde todos ensinavam e todos queriam aprender num ambiente de grande camaradagem em que dávamos o máximo das nossas capacidades como que tentando, ao mesmo tempo, “sublimar” as deficientes condições logísticas. Situação que se prestava à vivência de experiências inusitadas e de fantásticas “peripécias” clínicas.
A particular atenção que mereciam as Visitas aos Doentes das Enfermarias era um dos pontos principais da actividade clínica. Muitas delas eram quase medievais e estavam sempre atulhadas de Doentes com as mais diversas doenças (inclusive infecciosas), sofrendo e morrendo em simples catres, muitas vezes sem privacidade e ou dignidade. Em compensação as Equipas de profissionais da Saúde ultrapassavam-se a si próprias desdobrando-se em cuidados e atenção aos seus Doentes. Quer os Internos (a quem eram ditribuídos grupos de camas que eram denominadas: "Tiras" - em gíria hospitalar) quer os colegas mais graduados estudavam Doente a Doente com meticulosidade e grande empenho. Depois de pesquisas aturadas na literatura mundial todos procuravam mostrar as suas aptidões e saberes - integrando uma “filosofia” própria dos HCL, que os mais velhos transmitiam e preservavam - para benefício dos Doentes que eram observados “ombro a ombro” com regras de excelência - desde o modo como eram colhidas e escritas as suas “histórias” até às respectivas “marchas” diagnóstica e terapêutica. A aprendizagem contínua e intensiva, bem como o aperfeiçoamento de uma Ética profissional rigorosa foram contributos que não só fizeram escola nos antigos HCL mas também constituíram ponto alto na modulação de comportamentos profissionais que influenciaram gerações que posteriormente difundiram a “diáspora” dos HCL por muitos Hospitais Distritais do País. Um modo muito particular de estar ao lado dos Doentes.

5 comentários:

Ricardo António Alves disse...

Excelente!

Anónimo disse...

Oh my god!
Manuela Gama Vieira

Anónimo disse...

Há memória destas imagens.
Rosa Rodrigues

Anónimo disse...

Recordo-me bem, em 1968 era Delegado de Propaganda Médica e visitava médicos nos H. C. L. .
João Ramos Franco

Anónimo disse...

Há 41 anos uma enfermaria do Curry Cabral conseguia ser pior que esta. Eu estive lá eu sei.
Lurdes Enxuto