sábado, 31 de março de 2018

Sobre Fotografia de Rua

Em Portugal pouca gente sabe o que é Fotografia de Rua apesar de ser das formas mais populares e praticadas no mundo dos dias de hoje (é bom lembrar que cerca de 60% da população mundial vive actualmente em cidades). Dentro dos denominados “Photo Books” os que mostram “Street Photography” são os mais vendidos. Com a intenção de divulgar melhor o conceito permiti-me juntar as seguintes linhas:
Trata-se de uma variante da Arte Fotográfica (talvez a mais antiga, mais “libertadora” e a mais difícil) executada apenas em lugares públicos (Ruas, Museus, Parques, Praias, etc.) feita espontaneamente (sem pose) e não “encomendada”por órgãos de comunicação social (fotojornalismo). Daí que há cada vez mais consenso que deveria antes denominar-se “Public Candid Photography”. O seu valor documental fica reduzido quando há pose, encenação ou manipulação excessiva (over editing).
A fotografia de rua é como uma terceira faixa de uma autoestrada - separada, mas paralela às faixas do fotojornalismo e da fotografia apenas documental (com aqual é frequentemente confundida). Embora existam fotógrafos que se dedicam exclusivamente à fotografia de rua, há outros que para além de fotografia de rua também podem fazer fotografia documental ou de reportagem – passando temporariamente para a faixa ao lado. O próprio Henri Cartier-Bresson fez fotografia de rua e também de reportagem. No entanto os géneros não devem ser confundidos apesar de o fotógrafo ser o mesmo.
É claro que uma fotografia «encenada» em que haja uma «direção» e uma «coreografia» dos “actores” que passam na rua também pode ser extraordinária como Arte, mas não é Fotografia de Rua - que deve ter o maior grau de espontaneidade possível (discutível o denominado “eye contact”). Há autores conhecidos (por exemplo: Diane Arbus) que fizeram fotografia documental e “encenaram” com tanta qualidade que agora integram a história da fotografia em si – mas as suas imagens são apenas documentais e não são classificadas como fotografia de rua. A qualidade da fotografia não depende do género praticado.
Portanto a fotografia de rua não é apenas documental / descritiva ou de reportagem. Enquanto uma fotografia apenas documental pode transmitir hábitos e costumes (p.ex. o que as pessoas vestem em determinada época), a fotografia de rua tem uma filosofia própria que privilegia a possibilidade de, através do enquadramento encontrarmos alguma história nas entrelinhas das expressões e ou situações dos vários personagens que se cruzam.
Tal como referiu Joel Meyerowitz:  “You could frame anything: unrelated things, and putting them in a frame suddenly they are related and you have an image that perhaps is surreal, or magical, or prophetic.”
Ou seja: Durante encontros ocasionais de rua o enquadramento tenta relacionar o que aparentemente não estava relacionado. Pessoas e pessoas, Pessoas e objectos, Objectos e objectos. Ao enquadrar e relacionar pessoas e ou objectos, subitamente, pode ser criada uma imagem – onde o vulgar passa a ser extraordinário.
As fotografias de rua colocam questões e privilegiam a possibilidade de encontrarmos alguma narrativa nas entrelinhas das expressões e ou situações dos vários personagens. O humor, a ironia, a subtileza, os nonsense, as contradições sociais, o enigma, o mistério, a magia e o surreal em Street Photography são uma mais-valia muito importante.
No entanto há também fotógrafos de rua conceituados que exploram apenas os contrastes cromáticos, os jogos de luz / sombra, as geometrias e o grafismo – e dispensam uma eventual “história” associada à imagem. São pois diversos os sub géneros de Fotografia de Rua.
Inclusive, embora seja sempre preferível incluir gente nos enquadramentos a Fotografia de Rua pode não mostrar pessoas - como foi o caso de Atget que muitos autores consideram o “pai” da fotografia de rua. Desde que nas imagens de paisagens urbanas se pressinta a presença humana.

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