segunda-feira, 4 de abril de 2011

Devastation (Sobre a Crise)


" Bab´ Aziz "(Poem of the atoms) - Armand Amar
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Não consigo resistir hoje ao impulso de comentar um pouco sobre a actual crise política e económica em Portugal, atentos os últimos desenvolvimentos nessa matéria.
Sempre entendi que era (e ainda é) providencial que, nestes tempos de crise profunda, surgisse alguém (com credibilidade, autoridade, respeitabilidade, carisma e honestidade) que liderasse medidas e um movimento para a formação de um Governo que incluísse todos os Partidos com vocação de Governo – dando um sinal importante de credibilidade - decisivo para o País e para o seu exterior. Um impulso forte para se começar a obter/ganhar um sentido do colectivo – ausente num povo em que o individualismo é hábito. Mas na sua tomada de posse o Presidente da República deu o mote para agravar a desunião da família política e depois não teve a capacidade de conseguir (será que sequer o pretendia?) o consenso PS/PSD que evitasse que escorregássemos ainda mais para o abismo. Em sequência, e em poucos dias, todos desataram a correr de olhos vendados para o tal abismo confirmando-se que ninguém tem ou teve estatura para o saber ou querer evitar. Ao longo das últimas décadas a Partidocracia foi-se esvaziando de personalidades carismáticas, com qualidade e que inspirem confiança. Pontuam apenas algumas raras figuras que merecem respeitabilidade. Fruto de anos de "boys" sem preparação q.b. para os "jobs" - para além do quase ominipresente compadrio - a posicionarem-se, no aparelho do Estado, e impedindo os homens certos de estarem nos lugares certos.
Dia 23 de Março: a Assembleia da República foi palco de uma patética e irresponsável actuação dos partidos. O PSD liderou uma aberrante aliança direita/extrema-esquerda para liquidar a versão preliminar do PEC 2011, derrubando o Governo (enquanto o P. República fazia de Pilatos) e provocando eleições para daqui a cerca de dois meses. Deu-se uma imagem para o interior do país (e para o exterior) de menoridade, falta de senso e maturidade. Foi com perplexidade e desgosto que a maioria esmagadora dos portugueses assistiu ao debate na Assembleia. A mediocridade e o interesse individual superaram o desejo de resgatar o país de um destino cruel.
Dia 24 de Março: o Dr. Passos Coelho, em Bruxelas, foi forçado a reconhecer que afinal não tinha nenhuma alternativa para o PEC que chumbara na véspera e percebeu que não percebia o suficiente. Mais tarde, em entrevista a um jornal inglês, fez uma fuga para a frente anunciando que o PEC4 foi chumbado porque era “insuficiente” e que apresentaria um ainda mais “duro” – onde constaria mais um aumento do IVA.
Dia 25 de Março: na Assembleia da República a hipocrisia e o oportunismo político voltam a prevalecer. A Aliança direita/extrema-esquerda refaz-se, eufórica, e acaba, a meio do ano lectivo, com 6 anos de trabalho e negociações para levar a cabo uma avaliação justa para os professores.
Dias 26 e 28 de Março: o PSD anuncia que para além de privatizar a CGD, fará futuramente mais cortes nos salários e no 13º mês. Ou seja, o mesmo PSD que chumbou os sacrifícios que se pediam no PEC4 aos Portugueses afinal propõe ainda maiores sacrifícios.
Dia 29 de Março: Passos dá mais um passo e anuncia ao país, e só depois de tudo isto (pasme-se!), que vai finalmente começar a pensar num programa de Governo. Percebemos nós também que para além de ignorância há uma enorme ganância pelo Poder (e a que preço nos vai custar!) – de elementos do Partido com quem está comprometido. Enfim um Passos Coelho refém de lóbis – como é exemplo dar o dito pelo não dito acerca dos medicamentos genéricos.
Perante esta sequência, de apenas alguns dias, os mercados responderam subindo a taxa de juro, dos empréstimos ao Estado português, que andavam perto dos 7% (que já era um exagero) para um valor que ultrapassa agora os 9%. As Agências aproveitaram para dispararem “cegamente” e implacavelmente contra Portugal cortando “ratings” com uma celeridade nunca vista (5 níveis em apenas algumas semanas). Como era sabido, e com os dados que se conheciam antes, ou estas Agências agiam e agem com incompetência ou de um modo predeterminado, desde há muito, como perseguidores a cumprir uma missão (comandada por quem?) de exterminadores da qualidade de vida lusitana. E claro que não deixaram de aproveitar a oportunidade oferecida “de bandeja” durante essa semana em que Portugal deu um triste exemplo de si mesmo. Agora, com a casa a arder, PSD e CDS e Cavaco Silva estudam já um pedido de empréstimo no curto prazo ao FMI, sabendo-se que Bruxelas está contra, enquanto a Irlanda e a Grécia relatam as consequências perversas de terem recorrido ao mesmo FMI. Agora PSD e CDS estudam já, sofregamente, diferentes modelos de acordos/coligações e escolhem listas e futuros ministros como se já tivessem ganho as eleições de Junho próximo. Mais do mesmo.
O cidadão comum tem a noção de que parece continuar a importar aos líderes partidários apenas a sua estratégia individual em vez dos consensos que a grande maioria da população deseja. Onde está a compaixão e fraternidade pelo irmão Português que mora ao lado? Onde está um país de mãos dadas e unido com tenacidade em defesa do País? Quando será que todos perceberão que o Povo Português é ele próprio o D. Sebastião por quem espera há muito? Quando deixarão – cidadãos, sindicatos e comunicação social – de promover um clima crescente de exaltação social e política que representa mais um empurrão para o precipício? Seria importante perante uma missão quase (?) impossível que se avizinha – que todos os portugueses (sobretudo os responsáveis políticos) tivessem uma postura unificadora e serena – consubstanciada em actos no dia-a-dia – e pusessem de lado “azias” antigas, orgulhos e preconceitos. Temos todos de dar as mãos e voltarmos a plantar num terreno devastado. Num terreno de árvores arrancadas. Embora sabendo que vão demorar muito tempo a crescer.

5 comentários:

Anónimo disse...

Obrigada!
Pelo que escreve, pelas fotos, pela música, fabulosa!, quase sempre... Eu não sou uma pessoa culta,( a minha cabeça não deixa ) talvez não consiga deixar escrito o que sinto, mas este blogue faz-me falta, e então a música, é maravilhosa... a música é a minha vida...ajuda-me, 24 horas, sob 24 horas..., e a minha coragem, porque apesar de tudo, acho que sou uma mulher de coragem! Li, numa crónica escrita por Miguel Sousa Tavares, um "pensamento" de Guimarães Rosa que me diz muito! " A vida é assim: esquenta, aperta, daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é Coragem. "
Ilda Pontes

Anabela disse...

obrigada por ter expressado tão bem próprio o meu sentimento

Tina disse...

Infelizmente, como diz o velho e sábio ditado, a procissão ainda vai no adro e a crise vai agudizar-se. Ainda hoje ouvia a notícia de que os bancos decidiram não financiar mais o Estado. Os bancos, que têm sido privilegiados e que tanto exploram o povo, que têm tido lucros fabulosos... e cujos responsáveis não merecem os ordenados fabulosos pois não são sequer capazes de supervisionar adequadamente o funcionamento dessas entidades.
Vasco, puseste o dedo na ferida e é bom que toda a gente se pronuncie sem medo sobre o que cada partido tem contribuído para o descalabro cada vez mais acelerado da economia portuguesa. Os interesses partidários estão acima dos altos interesses da Nação, o que é absolutamente inconcebível! Após o 25 de Abril, ainda foi compreensível a recessão que se instalou porque a democracia tinha acabado de nascer em Portugal e havia que aprender. Mas havia uma esperança: a Liberdade por fim conquistada, que nos fazia iguais perante a Lei. Quase 37 anos se passaram e hoje continuamoa a assistir à luta partidária cega, que esquece que é o Povo que paga pelos erros de governação.
Não sou muito fã do futebol, pela degradação da noção de desporto que tem vindo a manifestar-se com um ruído vergonhoso, mas não resisto a comentar que a cegueira dos responsáveis partidários é perfeitamente igual ao apagão da luz no estádio de Benfica. Pura e simples cegueira, que ignora os direitos dos outros! E nesta crítica incluo também o Presidente, que infelizmente não se pronunciou em tempo oportuno para tentar uma negociação entre os partidos, para que esta crise não viesse a conhecer maiores males. Fez como Pilatos: lavou as mãos e também contribuiu para que a evolução chegasse a este extremo. Um Presidente que passa a maior parte do tempo a dizer que "não comenta" não merece o cargo que ocupa!
Obrigada pela tua opinião desassombrada, Vasco! E obrigada pela melodia pungente mas emocionante, que nos faz ponderar face a esta foto tão sugestiva, onde o preto e branco salienta a degradação do ambiente, que o mundo é feito de átomos que, com o simples bater das asas de uma borboleta, podem provocar efeitos maravilhosos quando o Homem é capaz de o respeitar.

Anónimo disse...

..., a devastação é bem visivel na foto, em primeiro plano, seguida de uma mancha de "eucaliptal"...,a esta foto associei facilmente a imagem de um País que facilmente se deixou dominar por interesses de mercados internacionais e alimentou claramente a "ganância" de grupos financeiros (bem identificados), premiando a incompetencia, a materialização, etc, em que o Respeito, a Responsabilidade e o Rigor (no individual e colectivo) são apanágio de poucos...., e assim vamos funcionando, em cópia de modelos disfuncionais na generalidade, questionando-me muitas vezes se o que está a acontecer não é em si um Crime contra a própria Humanidade, com a consequente e progressiva destruição do bem estar das populações???
( ..., curiosamente a plantação desenfreada de eucaliptos, acontece desde há umas decadas - o lucro rápido - não se olhando aos maleficios que provocou nos solos e subsolos nomeadamente nos recursos hidricos circundantes, secando os solos e quase os tornando improprios para outro tipo de cultivos....).

A des-união da União europeia é mais que evidente ( - dividir para reinar, é o lema de politicas e ideologias bem conhecidas - ), onde o capitalismo dá as ultimas machadadas, a des-união dos partidos e politicas nacionais é bem visivel na total desconfiança e descredibilidade das pessoas que as representam,..., enfim uma "crise" especulativa onde reina a hipocrisia, a corrupção, a mentira e o "patriotismo" é algo que a poucos diz respeito. Estamos numa sociedade "contaminada", "doente", nos seus principios fundamentais que para mim deverão ser os principios/valores Humanitários. Acredito na mudança, as energias teem de ser multiplicadas, porque o esforço exigido, será grande, alertar consciencias e ....educar para uma vida mais saudavel as gerações actuais e "vindouras" ...para que o Sol brilhe para Todos, - a preocupação e a responsabilidade é grande e de Todos nós.
Abraço
AC

VT disse...

Obrigado sou eu Ilda Pontes- Fico muito feliz e sensibilizado pela percepção do papel que o blogue acaba por ter um papel mais importante do que eu julgava.
Obrigado Anabela. Sinteticamente dizes muito.
Obrigado Tina e AC pela coragem de comentarem e expressarem todas as Vossas reflexõesa sobre o momento político (e não só). Infelizmente séculos de influência da Inquisição faz com que grande parte dos portugueses continuem a ter como jogo preferido "Jogar à Retranca" e digam que não se manifestam em questões de política porque não percebem. Mas depois votam como se percebessem.
Bem hajam
VT