domingo, 31 de maio de 2009

Luz rasante


Nos instantes privilegiados do anoitecer no meio de uma constelação de malmequeres.

The Host of Seraphim – Lisa Gerrard

sábado, 30 de maio de 2009

Arrival


Acrílico sobre tela/Técnica mista. 1m X 1m . VT/2005.
-
La Wally – Wilhelmenia Fernandez

sexta-feira, 29 de maio de 2009

The flight


Deito-me sobre a profundidade da Terra
Sobre o ritmo da areia e dos seixos
Sobre a vibração das sementes e das raízes
Sobre o silêncio e a densidade
Deixo-me envolver pela explosão das cores
E fico quieto perto das corolas das papoilas
A olhar as flores como se fossem estrelas diurnas
Até um insecto vermelho sobrevoar-me
E com o desenho do seu movimento integrar-me no foco da paisagem
VT

Welcome to my world – Dean Martin

quinta-feira, 28 de maio de 2009

A História de um cristal de Azurite


No decorrer de 2007 a venda da maior parte da colecção de mineralogia do museu da Academia de Ciências Naturais de Filadélfia, a um consórcio de comerciantes de minerais, constituiu um choque para a comunidade que se dedica à Mineralogia – mantendo-se até hoje a polémica em redor daquela transacção. De facto este museu, fundado em 1812, integrava um dos mais importantes conjuntos mundiais, inclusive a colecção de Sir William D. Vaux (adquirida em 1882 com a condição de se manter perpetuamente no museu), possuindo, em 1909, cerca de 30.000 especímenes. A colecção desenvolveu-se ainda mais a partir de 1915, sob a influência de um novo e dinâmico curador: Sam Gordon, que organizou várias expedições a regiões e a minas com grande significado mundial - conhecidas pela qualidade dos exemplares. Depois da morte de Sam Gordon, em 1952, o museu ficou sem curador a tempo inteiro e desviou a sua actividade para o estudo de plantas, insectos, pássaros, fósseis, etc, descuidando os minerais que se foram deteriorando, armazenados e sem condições adequadas de preservação.
Uma das expedições mais célebres e ambiciosas, de Sam Gordon, teve lugar durante 1929-30, e resultou no envio de 63 caixas com minerais do Equador e 90 caixas de África – entre as quais vinham 12 da região do Tsumeb na Namibia. Foi precisamente na mina Tsumeb, na região com o mesmo nome, a 700 pés de profundidade, em 10 de Dezembro de 1929, que Sam Gordon encontrou fantásticos cristais de azurite (quer pela cristalização, quer pelo tamanho e cor). No entanto o dono da mina que nunca tinha descoberto aquela “bolsa” de cristais, exigiu ficar com a maior parte, permitindo, porém, que Sam Gordon escolhesse os melhores. Dentro em pouco, os cristais de azurite encontrados por Sam Gordon, tornavam-se quase lendários e eram um dos conjuntos mais apreciados do museu da Academia.
O cristal na foto de hoje veio precisamente nesse lote de 1929 (do Tsumeb), tem 61mm x 40mm X 15mm (grandes dimensões para a espécie) e é um super exemplar com um lustroso cristal isolado - com uma cristalização “imponente” que, durante 2007, viajou do museu da Academia de Filadélfia para um lugar de destaque na minha própria colecção.
VT

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Passam notícias

Lá fora

Passam notícias
De mais uma doença que se espalha
Lá fora morrem as cidades e as árvores
As aves são folhas que caiem no deserto que fica
Há mais atentados e uma nova guerra que começa
Ardem os campos, sobram as águas
Anuncia-se a catástrofe
Os gritos são pedras que voam coladas no temporal que sobe
Cresce o frio pela Terra

Cá dentro
Contigo despida a dançar
É tempo de Verão
Paisagem campestre
Sol no olhar, beijos azuis, pétalas carmim
Tangerina, baunilha, pele de cetim
Na calma da tarde um piano a tocar
Cresce a paixão
Contigo despida a dançar
O infinito enquanto o mundo morre a cantar
VT

Quand on a que l´amour – Jacques Brel

segunda-feira, 25 de maio de 2009

The open arms of the sea


Foz do Arelho em Maio de2009.

Unchained Melody – Righteous Brothers

Unchained Melody (música de Alex North e letras de Hy Zaret) é uma das canções mais românticas e mais gravadas de sempre com cerca de 670 versões. Surgiu pela 1ª vez num filme pouco conhecido denominado "Unchained". A canção fez muito mais sucesso que o filme, lançado em 9 de Abril de 1955, e era cantada na banda sonora por Al Hibbler – um cantor negro e cego (há quem refira que 1º foi cantada pelo barítono Todd Duncan), acabando por ficar em 5º lugar nos prémios da Academia. Nesse mesmo ano e mês surge uma versão instrumental dos Les Baxter, que subiu até ao 1º lugar dos “charts” enquanto a de Hibbler ficava em 3º lugar. Dois outros artistas gravaram a canção nesse mesmo ano: Roy Hamilton (6º lugar) e June Valli (29º). Em Londres, Jimmy Young (1º lugar) e Liberace (20º) figuraram nas listas com interpretações de Unchained Melody. Mais tarde foi o tema principal do grande sucesso cinematográfico Ghost. É, no entanto, a versão, de 1965, da dupla The Righteous Brothers que a celebriza definitivamente. Elvis Presley também a cantou e foi fantástica a sua intepretação ao vivo em 21 de Junho 1977 - pouco antes de morrer (disponível no Youtube). Em 1998 a banda U2 regrava esta música no álbum duplo "The best of 1980-1990". Em 2003, a cantora Cyndi Lauper recupera-a no álbum "At Last" e, recentemente, surgiram interpretações na área do Jazz (Caroline Henderson). Não há dúvidas de que a canção continuará a encher os bolsos de Paul Mc Cartney que detém os respectivos direitos.
VT

Unchained Melody
Oh, my love my darling
I've hungered for your touch a long lonely time
And time goes by so slowly and time can do so much
Are you still mine?
I need your love
I need your love Godspeed your love to me
Lonely rivers flow to the sea, to the sea
To the open arms of the sea
Lonely rivers sigh 'wait for me, wait for me'
I'll be coming home
Wait for me
Oh, my love my darling
I've hungered for your touch a long lonely time
And time goes by so slowly
And time can do so much
Are you still mine?
I need your love
I need your love Godspeed your love to me

domingo, 24 de maio de 2009

A Casa



Voltei às ruínas.
Voltei à casa.
À casa que não é a minha casa.
Não sei quem a habitou.
Desde que lá entrei, um dia, nunca vi alguém.
Tenho por lá ficado. Sentado naquela imensidão em frente da Lagoa.
Como se fosse a minha casa.
E penso que, a qualquer momento, vais aparecer.
Quando entrares, por entre as pedras, deixarás, nas silvas, o teu vestido.
E depois ficaremos abraçados neste lugar de prodígios aberto ao sol.
Na casa que não é a minha casa.
“Una casa in cima al mondo”.
VT


Una casa in cima al mondo - Mina

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Là ou tu es

Immense e rouge (Jacques Prévert)
Immense e rouge
Au-dessus du Grand Palais
Le soleil d´hiver apparait
Comme lui mon coeur va disparaitre
Et tout mon sang va s´en aller
S´en aller à ta recherche
Mon Amour
Ma beauté
Et te trouver Là où tu es
-
The very thought of you – Tonny Bennet

terça-feira, 19 de maio de 2009

Janela

Ao João Serra envio mais uma janela para acrescentar à colecção

As Janelas
 (Eugénio de Andrade)

As Janelas por onde entram as silvas,
a púrpura pisada,
o aroma das tílias,
a luz em declínio,
fazem deste abandono uma beleza devastadora e sem contorno

sábado, 16 de maio de 2009

La lontananza

No início do Verão de 1980 encontrei-te durante umas férias mágicas em Ibiza. Após chegar ao porto, retirei o meu citroen 2 cavalos do barco e dirigi em direcção a região de San Carlos no interior da ilha, onde o meu amigo Gabriel e respectiva família, viviam há alguns anos, sabiamente, “retirados da alienação da sociedade moderna”... Era a parte mais selvagem e primitiva da ilha e, ao procurar a casa do meu anfitrião, os caminhos foram-se tornando cada vez mais estreitos, confusos, de terra batida, inóspitos ou ausentes... Como se fosse penetrando num território situado em outra dimensão... enquanto o resto do mundo ia ficando mais longínquo... Após passar por umas velhotas silenciosas e sorridentes que descascavam fruta na sombra fresca de um pomar, desemboquei, em determinado momento, já perdido e sem saber bem onde estava, num pequeno planalto que parecia ter origem no azul vibrante do céu do meio do dia... O aroma quente de folhas de figueira e o canto das cigarras caíam a pique sobre o solo coberto de tojo, e de um mar de flores douradas de entre as quais se destacavam algumas vermelhas que pareciam explodir ritmicamente perante os meus olhos... Como o calor era muito elevado o ar tremulava e tornava tudo menos nítido. As flores pareciam pinceladas num vasto quadro impressionista no qual me integrava a pouco e pouco... Um pouco mais distante, emergindo do horizonte, materializou-se uma casa branca e sem telhado, como um sitío fantástico que surge inesperadamente, e para a qual me dirigi, automaticamente, com uma sede tremenda - como quem descobre, finalmente, um oásis definitivo... Parei junto a um pequeno páteo, logo antes da frontaria, onde pilhas de almofadas se dispunham, convidativas, em círculo... Da porta principal totalmente aberta, emanava serenidade, frescura, um odor de incenso ardendo, cortinados esvoaçando levemente e... os primeiros acordes e coros de uma canção italiana – com orquestração no estilo do festival de San Remo do final da década de 1960. Era um lindíssimo tema, de 1970, cantado por Domenico Modugno: "La Lontananza" ... A magia ia tomando conta de mim... e... tornou-se mais intensa quando surgiu do interior da casa uma mulher de cabelos loiros quase brancos e compridos, vestindo apenas uma saia branca comprida e translúcida e trazendo na mão um chá de menta gelado para me oferecer... como se soubesse muito bem o que eu precisava. Por detrás dela alinharam-se 5 crianças nuas e de alturas diferentes, também com os cabelos da mesma cor... Apresentou-se dizendo, em italiano, que se chamava Eleonora (Leonor) e sorria… sorria muito e olhava-me com um olhar inteligente e, por isso mesmo, altamente sedutor. Vi que eras tu novamente... Apeteceu-me dizer as palavras de Modugno que aprendera de uma outra sua canção que tem tanto de pouco conhecida como fantástica: "Come Hai Fatto"… e imaginei-me a recitar-lhe: “Io ti voglio bene come nella mia vita non è accaduto mai, così profondamente che ho paura di me… di questo smisurato amore che adesso provo per te. Io ti desidero, un desiderio nuovo che mi tormenta… talvolta mi domando com'è possible…”… mas consegui apenas balbuciar, atónito perante toda a magia do momento... apenas o nome do meu amigo... Gabriel... como perguntando aonde... qual o meu caminho... Ela sorriu mais, porque percebia tudo o que eu pensava… Como se possuísse a capacidade de me ler o pensamento e cada batida cardíaca. Ficámos minutos (horas?) sorrindo um para o outro, assim sem palavras - mas felizes… Mais tarde indicou-me um caminho que mal se distinguia entre uns arbustos mais altos, para a casa do Gabriel... Antes de partir, percebendo a minha angústia perante a possibilidade de eventualmente não a voltar a ver, disse espontaneamente e também com grande segurança que… não me preocupasse porque um dia voltaríamos a nos encontrar… Claro que, passadas algumas horas, dei com a casa do meu amigo... mas nunca mais esqueci aquele sitío encantado... Dias depois, ainda na ilha, apesar de o procurar, nunca o voltei a descobrir... Mas acredito em ti. Um dia voltaremos a encontrar-nos. "La lontananza sai, è come il vento… spegne i fuochi piccoli, ma accende quelli grandi… quelli grandi."
VT


La Lontananza - Domenico Modugno


Come Hai Fatto – Domenico Modugno

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Vivianite

Trata-se de uma Vivianite muito especial…. Este espécimen (com 2.9 cm x 4.1cm x 2.2 cm) de rara beleza estética, lembrando um laço delicado de cristais verdes e azulados, transparentes e lustrosos que, num dos extremos, adquirem quase a forma de uma “garra”, sobre a matriz de Siderite, é um “ícone” muito conhecido nos meios da mineralogia mundial. É considerado o melhor exemplar de sempre de Vivianite oriunda da célebre mina Trepca no actual Kosovo (tal como surge fotografado na revista Mineralogical Record de Julho/Agosto de 2007). Durante a década de 1990 tornou-se um exemplo de grande estética mineralógica a nível mundial, tendo sido regularmente publicada a sua imagem como imagem de marca e anúncio (Mineralogical Record em 1994 e 1995) de Julius Zweibel, um então célebre coleccionador e vendedor de minerais, nos EUA, cuja empresa dava pelo nome de “Mineral Kingdom”. Além de ter pertencido à colecção de Zweilbel, veio ainda a integrar a de Mel e Grace Dick – antes de agora ocupar um lugar de destaque… na minha própria colecção.
VT

domingo, 10 de maio de 2009

Luz

Detalhe de quadro da autoria de VT
-
Há muitas pessoas que gritam caladas a sua solidão pelo caminho do meio da noite. O olhar suplica a nossa atenção… apenas uma vez… como se sussurrassem… na nossa consciência… um canto dorido… como se nos dissessem….
Agarra-me
Com os teus olhos
Encontra-me
No meio desta noite
Depressa
Descobre-me
Com as tuas asas
E salva-me
No meio desta noite
Agora
Abraça-me
A tempo
E leva-me
Nunca mais
Quero
Ficar só
Nesta estrada
Abandonada
Nunca mais
Quero
Que os teus lábios
Me toquem
Finalmente
Só esta noite
Quero
Que os teus braços
Me cubram
Suavemente
Só esta noite
Quero
Que o teu corpo
Me traga
A luz da manhã
Só esta noite
VT
.
Valentine – Richard Hawley

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Flowers in your hair

Durante a Faculdade... foi tempo, também de centenas de danças, bailes e festas, nas “boites” e nas Embaixadas de outros países. Vivia-se o ponto alto do movimento Hippie - contra a cultura vigente porque defendia a não-violência e tinha como máxima a frase "Peace and Love". Além de se ligarem, de certo modo, ao Budismo os hippies vestiam-se com roupa simples e colorida e acreditavam que podiam mudar a Humanidade, para melhor, adoptando uma atitude de tolerância, e de alegria, bem como um modo de vida colectivista ou comunitário. Dar aos outros era fundamental - daí o acto simbólico de oferecer flores. Já alguém escreveu que terá sido a última oportunidade (perdida) para a Humanidade e há, actualmente, filósofos que defendem os mesmos princípios como uma resposta possível para evitar a "barbárie" consequente a uma catástrofe ecológica e económica previsível (Isabelle Strengers : "Au temps des catastrophes - Resister à la barbarie qui vient").
Num dia 8 de Maio, igual ao de hoje, começou um caso muito especial com a filha do então ministro conselheiro do Brasil. Um caso proibido.
A família quase a impedia de me ver porque, ainda na faculdade, e sem futuro certo e sem estabilidade económica, eu não era o noivo ”conveniente”. Esse, para os pais dela, era um engenheiro gordo e bem instalado na vida - assíduo lá de casa.
À revelia disto tudo encontrávamo-nos na discotecas ou em festas de amigos comuns... ou no calor da noite das festas dos Santos populares...
Até que um dia houve a tua festa de anos, que era também uma festa de despedida de Portugal (o teu pai tinha sido colocado num país da América Central) para a qual, obviamente tinha sido dado ordem para que eu não estar presente.
Porém, com a cumplicidade da tua “bábá”, subi pelo jardim das traseiras da moradia no Restelo, já aperaltado, e entrei pela varanda que dava para a sala do baile ao mesmo tempo que a música surgia com a voz do Scott McKenzie... com uma das nossas canções preferidas. Num sincronismo perfeito desceste, ao som dos primeiros acordes do “San Francisco”, como a incarnação de uma deusa, pela escadaria do primeiro andar com uma grinalda de flores vermelhas nos cabelos (1967 foi o ano mágico do Flower Power) e enlaçámo-nos no meio do salão a dançar novamente olhos nos olhos, e indiferentes a um círculo, que se abrira, de gente pasmada com a ousadia... A Força estava connosco... Procedíamos de acordo com aquele tempo de desafio às gerações anteriores, premonitório da revolta dos jovens que surgiria em 1968... E dançamos toda a noite assim... E voámos… sem ninguém se atrever a impedi-lo.
Claro que eras tu. Claro que éramos nós.
VT


San Francisco – Scott Mckenzie

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Cinzento

Subo No cinzento Que cai em volta Até ao lugar das pessoas. No vértice há um vórtice de solidão.
VT

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Micropaisagem

No calor entorpecente
Filamentos despertam
Do sono conjuntivo
E desenrolam-se
Entre as grutas e desfiladeiros cor de malva
Solta-se o baile dos esporos
Ao som dos pássaros
Parados lá em cima
À espera
Como eu
VT

terça-feira, 5 de maio de 2009

Silêncio mineral

Poema mineral Pétalas cristalinas Um silêncio vermelho Que vem desde o princípio
VT

segunda-feira, 4 de maio de 2009

As meias vermelhas


Frequentava o liceu e, desde há cerca de 2 anos, vivia a descoberta de uma música estranha que ia crescendo e envolvendo a Juventude: o Rock´n Roll... Sempre que passávamos por cafés perto do liceu, aproveitávamos para meter moedas nas "juke-box" para ouvirmos, deleitados, os discos de 45 rotações com as músicas dos Everly Brothers, do Elvis ou do Paul Anka. Ao fim de semana acorria aos bailes no Centro Recreativo perto de casa, onde assistia quer a exibições dos conjuntos de Rock, então em voga, quer à Zézinha Meireles (nitidamente preferida pela organização) a interpretar, esganiçada, a Malaguenha ou a Granada.
Depois havia o essencial: O Baile.
E aqui assistia-se também a uma competição entre a música “velha” e a música “nova”… Claro que sempre tentávamos influenciar quem controlava o gira discos para se ouvirem, em vez de Tangos e Passo dobles, as canções dos Platters ou da Connie Francis... As raparigas ficavam de um lado do salão de baile. O sexo masculino arrumava-se, em grupo, no lado oposto.
Aos primeiros acordes musicais os rapazes lançavam-se em direcção às cadeiras onde as raparigas conversavam e… no caso de não se conseguir obter o par desejado, podiam “marcar” uma dança com antecedência. Ou seja havia uma verdadeira “lista de espera” para as jovens mais requisitadas, que usavam (grande moda) meias “collants” de cores fosforescentes (talvez para nos encandear…) … Azuis… Verdes… Amarelas, etc. Os rapazes ripostavam com camisolões vermelho vivo e blusões de cabedal negro. Ao ritmo de conjuntos musicais ou de discos, após trocas de olhares e por vezes sinais os “meninos” atravessavam corajosamente o espaço “between” para levar as meninas enlaçadas na música preferida...
Certo Domingo surgiu uma nova e loira frequentadora – de meias fosforescentes vermelhas – que todos achávamos parecida com a Marylin Monroe.
Para além da beleza física tinha um olhar misterioso e sereno que nos baralhava e electrizava o ambiente em redor... Como se fosse mais velha do que todos nós.
Claro que as paixões multiplicaram-se ao mesmo tempo que os pedidos para dançar com aquela rapariga intrigante, bela e aparentemente inacessível.
Marcavam-se rodopios com antecedência, havia empurrões e cotoveladas para chegar primeiro. A rapaziada fascinada queria dançar só com ela… E eram correrias e empurrões a ver quem chegava primeiro. Eu nem me atrevia. Não só por timidez mas também porque não sabia ainda dançar. Mas, não fugi à regra e comecei inexoravelmente a sentir uma paixão febril pela rapariga das meias encarnadas. De facto o termo febril é adequado porquanto passei a ter diariamente uma temperatura de cerca de 37,5º Centígrados... Levaram-me em consequência ao médico da família, que morava lá na rua, e que após me observar, abanou a cabeça, e disse que não encontrava nada de anormal e por isso não compreendia a causa. Claro que só eu sabia a verdade. Que a origem da temperatura excessiva era… vermelha…
Claro que como não sabia dançar não me atrevia a dirigir-me à rapariga dos meus sonhos. Com muita pena (e febre), via apenas do meu canto os outros a dançar com ela. Mas houve um dia em que soube, novamente, que eras tu que reaparecias, porque uma tarde olhaste-me fixamente – como a cigana, anos antes, nas minhas férias. Tão intensamente que, num primeiro momento, me convenci que te estarias a dirigir para outra pessoa.
Porém, depressa a minha dúvida se esclareceu. Afastando os vários pretendentes em volta, as meias fosforescentes dirigiram-se sem hesitações para mim – o único que não lhes tinha pedido para dançar. Ela deu-me a mão e levou-me para o meio do salão… Como costumava acontecer só nos filmes... Atónito, senti o meu coração fazer BUMMMM, ao mesmo tempo que deixava de sentir as pernas e um calafrio me percorria o corpo… E agora? Como fazer se não sabia dançar…. Resolvi andar ao ritmo da canção a ver se acertava… E de facto acertei... Mas foi com um sapato numa das meias vermelhas que se rompeu… Tristíssimo com aquela tragédia e cada vez com mais “febre” resolvi aprender intensivamente a dançar, para mais tarde tentar resgatar-me perante a dona das meias vermelhas. Na altura, a melhor professora de dança, recomendada por toda a rapaziada, era uma empregada doméstica lá da rua. Então durante semanas com o nariz encostado às nódoas do avental da “professora”, lá ensaiei: um dois…. um dois… um dois três… Depois ainda de “treinar” também em frente ao espelho, e já me sentindo “apto”… lá fui ao baile – à reconquista da atenção perdida… Esperava-me uma desilusão… A rapariga das meias cor de sangue já tinha, entretanto, encontrado um namorado com o qual dançava “em exclusividade”…
E nos meus olhos instalaram-se nuvens de tristeza.
VT

Smoke gets in your eyes - Platters

sábado, 2 de maio de 2009

A folha



Veio a chuva.
Pigmentos estremeceram nos micro interstícios, bebendo esferas de cristal.
Uma festa no arquipélago celular sem o tempo em contratempo.
Veio o Vento.
A folha irrigada de varizes voltou a página.
VT

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Tender is the night


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Anoitece calmamente
Como se não existisse mais alguém
Como se atravessássemos juntos o silêncio que cai
À espera da noite
Suavemente
-
VT

Tender is the night – Tonny Bennet