
Nos instantes privilegiados do anoitecer no meio de uma constelação de malmequeres.
The Host of Seraphim – Lisa Gerrard


Lá fora
No início do Verão de 1980 encontrei-te durante umas férias mágicas em Ibiza.
Após chegar ao porto, retirei o meu citroen 2 cavalos do barco e dirigi em direcção a região de San Carlos no interior da ilha, onde o meu amigo Gabriel e respectiva família, viviam há alguns anos, sabiamente, “retirados da alienação da sociedade moderna”... Era a parte mais selvagem e primitiva da ilha e, ao procurar a casa do meu anfitrião, os caminhos foram-se tornando cada vez mais estreitos, confusos, de terra batida, inóspitos ou ausentes... Como se fosse penetrando num território situado em outra dimensão... enquanto o resto do mundo ia ficando mais longínquo...
Após passar por umas velhotas silenciosas e sorridentes que descascavam fruta na sombra fresca de um pomar, desemboquei, em determinado momento, já perdido e sem saber bem onde estava, num pequeno planalto que parecia ter origem no azul vibrante do céu do meio do dia... O aroma quente de folhas de figueira e o canto das cigarras caíam a pique sobre o solo coberto de tojo, e de um mar de flores douradas de entre as quais se destacavam algumas vermelhas que pareciam explodir ritmicamente perante os meus olhos...
Como o calor era muito elevado o ar tremulava e tornava tudo menos nítido. As flores pareciam pinceladas num vasto quadro impressionista no qual me integrava a pouco e pouco...
Um pouco mais distante, emergindo do horizonte, materializou-se uma casa branca e sem telhado, como um sitío fantástico que surge inesperadamente, e para a qual me dirigi, automaticamente, com uma sede tremenda - como quem descobre, finalmente, um oásis definitivo... Parei junto a um pequeno páteo, logo antes da frontaria, onde pilhas de almofadas se dispunham, convidativas, em círculo... Da porta principal totalmente aberta, emanava serenidade, frescura, um odor de incenso ardendo, cortinados esvoaçando levemente e... os primeiros acordes e coros de uma canção italiana – com orquestração no estilo do festival de San Remo do final da década de 1960. Era um lindíssimo tema, de 1970, cantado por Domenico Modugno: "La Lontananza" ...
A magia ia tomando conta de mim... e... tornou-se mais intensa quando surgiu do interior da casa uma mulher de cabelos loiros quase brancos e compridos, vestindo apenas uma saia branca comprida e translúcida e trazendo na mão um chá de menta gelado para me oferecer... como se soubesse muito bem o que eu precisava. Por detrás dela alinharam-se 5 crianças nuas e de alturas diferentes, também com os cabelos da mesma cor... Apresentou-se dizendo, em italiano, que se chamava Eleonora (Leonor) e sorria… sorria muito e olhava-me com um olhar inteligente e, por isso mesmo, altamente sedutor. Vi que eras tu novamente...
Apeteceu-me dizer as palavras de Modugno que aprendera de uma outra sua canção que tem tanto de pouco conhecida como fantástica: "Come Hai Fatto"… e imaginei-me a recitar-lhe: “Io ti voglio bene come nella mia vita non è accaduto mai, così profondamente che ho paura di me… di questo smisurato amore che adesso provo per te. Io ti desidero, un desiderio nuovo che mi tormenta… talvolta mi domando com'è possible…”… mas consegui apenas balbuciar, atónito perante toda a magia do momento... apenas o nome do meu amigo... Gabriel... como perguntando aonde... qual o meu caminho... Ela sorriu mais, porque percebia tudo o que eu pensava… Como se possuísse a capacidade de me ler o pensamento e cada batida cardíaca. Ficámos minutos (horas?) sorrindo um para o outro, assim sem palavras - mas felizes…
Mais tarde indicou-me um caminho que mal se distinguia entre uns arbustos mais altos, para a casa do Gabriel...
Antes de partir, percebendo a minha angústia perante a possibilidade de eventualmente não a voltar a ver, disse espontaneamente e também com grande segurança que… não me preocupasse porque um dia voltaríamos a nos encontrar…
Claro que, passadas algumas horas, dei com a casa do meu amigo... mas nunca mais esqueci aquele sitío encantado... Dias depois, ainda na ilha, apesar de o procurar, nunca o voltei a descobrir...
Mas acredito em ti. Um dia voltaremos a encontrar-nos.
"La lontananza sai, è come il vento… spegne i fuochi piccoli, ma accende quelli grandi… quelli grandi."
Trata-se de uma Vivianite muito especial…. Este espécimen (com 2.9 cm x 4.1cm x 2.2 cm) de rara beleza estética, lembrando um laço delicado de cristais verdes e azulados, transparentes e lustrosos que, num dos extremos, adquirem quase a forma de uma “garra”, sobre a matriz de Siderite, é um “ícone” muito conhecido nos meios da mineralogia mundial. É considerado o melhor exemplar de sempre de Vivianite oriunda da célebre mina Trepca no actual Kosovo (tal como surge fotografado na revista Mineralogical Record de Julho/Agosto de 2007). Durante a década de 1990 tornou-se um exemplo de grande estética mineralógica a nível mundial, tendo sido regularmente publicada a sua imagem como imagem de marca e anúncio (Mineralogical Record em 1994 e 1995) de Julius Zweibel, um então célebre coleccionador e vendedor de minerais, nos EUA, cuja empresa dava pelo nome de “Mineral Kingdom”. Além de ter pertencido à colecção de Zweilbel, veio ainda a integrar a de Mel e Grace Dick – antes de agora ocupar um lugar de destaque… na minha própria colecção.
Durante a Faculdade... foi tempo, também de centenas de danças, bailes e festas, nas “boites” e nas Embaixadas de outros países. Vivia-se o ponto alto do movimento Hippie - contra a cultura vigente porque defendia a não-violência e tinha como máxima a frase "Peace and Love". Além de se ligarem, de certo modo, ao Budismo os hippies vestiam-se com roupa simples e colorida e acreditavam que podiam mudar a Humanidade, para melhor, adoptando uma atitude de tolerância, e de alegria, bem como um modo de vida colectivista ou comunitário. Dar aos outros era fundamental - daí o acto simbólico de oferecer flores. Já alguém escreveu que terá sido a última oportunidade (perdida) para a Humanidade e há, actualmente, filósofos que defendem os mesmos princípios como uma resposta possível para evitar a "barbárie" consequente a uma catástrofe ecológica e económica previsível (Isabelle Strengers : "Au temps des catastrophes - Resister à la barbarie qui vient"). 