sábado, 16 de maio de 2009

La lontananza

No início do Verão de 1980 encontrei-te durante umas férias mágicas em Ibiza. Após chegar ao porto, retirei o meu citroen 2 cavalos do barco e dirigi em direcção a região de San Carlos no interior da ilha, onde o meu amigo Gabriel e respectiva família, viviam há alguns anos, sabiamente, “retirados da alienação da sociedade moderna”... Era a parte mais selvagem e primitiva da ilha e, ao procurar a casa do meu anfitrião, os caminhos foram-se tornando cada vez mais estreitos, confusos, de terra batida, inóspitos ou ausentes... Como se fosse penetrando num território situado em outra dimensão... enquanto o resto do mundo ia ficando mais longínquo... Após passar por umas velhotas silenciosas e sorridentes que descascavam fruta na sombra fresca de um pomar, desemboquei, em determinado momento, já perdido e sem saber bem onde estava, num pequeno planalto que parecia ter origem no azul vibrante do céu do meio do dia... O aroma quente de folhas de figueira e o canto das cigarras caíam a pique sobre o solo coberto de tojo, e de um mar de flores douradas de entre as quais se destacavam algumas vermelhas que pareciam explodir ritmicamente perante os meus olhos... Como o calor era muito elevado o ar tremulava e tornava tudo menos nítido. As flores pareciam pinceladas num vasto quadro impressionista no qual me integrava a pouco e pouco... Um pouco mais distante, emergindo do horizonte, materializou-se uma casa branca e sem telhado, como um sitío fantástico que surge inesperadamente, e para a qual me dirigi, automaticamente, com uma sede tremenda - como quem descobre, finalmente, um oásis definitivo... Parei junto a um pequeno páteo, logo antes da frontaria, onde pilhas de almofadas se dispunham, convidativas, em círculo... Da porta principal totalmente aberta, emanava serenidade, frescura, um odor de incenso ardendo, cortinados esvoaçando levemente e... os primeiros acordes e coros de uma canção italiana – com orquestração no estilo do festival de San Remo do final da década de 1960. Era um lindíssimo tema, de 1970, cantado por Domenico Modugno: "La Lontananza" ... A magia ia tomando conta de mim... e... tornou-se mais intensa quando surgiu do interior da casa uma mulher de cabelos loiros quase brancos e compridos, vestindo apenas uma saia branca comprida e translúcida e trazendo na mão um chá de menta gelado para me oferecer... como se soubesse muito bem o que eu precisava. Por detrás dela alinharam-se 5 crianças nuas e de alturas diferentes, também com os cabelos da mesma cor... Apresentou-se dizendo, em italiano, que se chamava Eleonora (Leonor) e sorria… sorria muito e olhava-me com um olhar inteligente e, por isso mesmo, altamente sedutor. Vi que eras tu novamente... Apeteceu-me dizer as palavras de Modugno que aprendera de uma outra sua canção que tem tanto de pouco conhecida como fantástica: "Come Hai Fatto"… e imaginei-me a recitar-lhe: “Io ti voglio bene come nella mia vita non è accaduto mai, così profondamente che ho paura di me… di questo smisurato amore che adesso provo per te. Io ti desidero, un desiderio nuovo che mi tormenta… talvolta mi domando com'è possible…”… mas consegui apenas balbuciar, atónito perante toda a magia do momento... apenas o nome do meu amigo... Gabriel... como perguntando aonde... qual o meu caminho... Ela sorriu mais, porque percebia tudo o que eu pensava… Como se possuísse a capacidade de me ler o pensamento e cada batida cardíaca. Ficámos minutos (horas?) sorrindo um para o outro, assim sem palavras - mas felizes… Mais tarde indicou-me um caminho que mal se distinguia entre uns arbustos mais altos, para a casa do Gabriel... Antes de partir, percebendo a minha angústia perante a possibilidade de eventualmente não a voltar a ver, disse espontaneamente e também com grande segurança que… não me preocupasse porque um dia voltaríamos a nos encontrar… Claro que, passadas algumas horas, dei com a casa do meu amigo... mas nunca mais esqueci aquele sitío encantado... Dias depois, ainda na ilha, apesar de o procurar, nunca o voltei a descobrir... Mas acredito em ti. Um dia voltaremos a encontrar-nos. "La lontananza sai, è come il vento… spegne i fuochi piccoli, ma accende quelli grandi… quelli grandi."
VT


La Lontananza - Domenico Modugno


Come Hai Fatto – Domenico Modugno

3 comentários:

Margarida Araújo disse...

Conheço esta história e conheço o Gabriel.
bj

VT disse...

Obrigado Margarida pelos comentários muito simpáticos e amigos que me tens deixado. O Gabriel trabalha hoje, em Portugal, no mundo do cinema...
VT

Anónimo disse...

"La Lontananza sai, è come il vento...", conheço bem esta canção, apesar de ser antiga.Itália o País que encanta pela sua história e pela Arte....
Grazia per questo momento, Italia sei in mio cuore...
AC