terça-feira, 30 de junho de 2009

Passagem

Geometria e silêncios
Passagem escondida
Porta enterrada
Fuga e entrada
Túnel onde passa a maré das flores que o vento traz
VT
Channels and Winds - Ravi Shankar & Philip Glass

segunda-feira, 29 de junho de 2009

O Palacete Almeida Araújo

O Palacete Almeida Araújo, cuja construção inicial terminou em 1904, continua felizmente a dominar a Avenida do Mar e a Lagoa, tendo sido reabilitado meticulosamente na sequência da queda de um faísca destruir, em 1930, o seu interior.
Foi a segunda casa de veraneio construída por alguém, "de fora", entre a povoação e a praia (a primeira foi a de Francisco de Almeida Grandela).
Mantendo a traça original confere uma "atmosfera" especial à Foz do Arelho, apesar de estar, cada vez mais, rodeado de guindastes e "colmeias" de novas construções encavalitadas umas nas outras.
Sabe-se que Joaquim Palhares de Almeida Araújo era casado com D. Hermínia Franco, filha do Visconde da Falcarreira, que se dedicava à música e participava em concertos.
A fachada, que parece surgir de um filme realizado nas décadas iniciais de Hollywood, transporta-nos através do Tempo e do Espaço... até nos encontrarmos no varandim do Palacete, sobre uma noite de luar iluminando a lagoa... do interior ecoam os acordes de uma orquestra, que nos embalam, enquanto dançamos "Moonlight Serenade"...
VT


Moonlight Serenade – Glenn Miller

domingo, 28 de junho de 2009

sábado, 27 de junho de 2009

Sonho

Pormenor do Palacete Almeida Araújo - Foz do Arelho

Aves voando dentro do sonho
Onde percorro escadas subindo pelo ar
Levam-me...
VT
.
In sogno - Milva com Vangelis

quinta-feira, 25 de junho de 2009

A cabine (a Jorge Luis Borges)

Uma cabine amarela Cápsula do Tempo
Vazia Como se esperasse por alguém
Objecto mágico onde tudo parte e chega
Comunicando sistemas de sistemas
Universos diferentes
Convergentes, divergentes, paralelos
O Tempo livre dos relógios
Lentamente vamos depressa
Soltos
Num Tempo multíplice
Cada Presente tem vários Futuros
Uma quantidade espantosa de realidades
O ponto de chegada será sempre o de partida
O Nada
O Nada que é a imagem de tudo e todos
De mãos dadas
Reflectida num espelho infinito
VT
 (Inspirado num dos mais sublimes e fantásticos livros de sempre - em minha opinião: "Ficções" de Jorge Luis Borges)

To the Center - Michael Stearns

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Plátanos


As cores na Natureza confundem-se
As Estações ao longo do ano misturam-se e mudam
No tempo, na intensidade, na quantidade e na qualidade
Mais frequentemente
Há outras Estações dentro das Estações
Provavelmente vamos ter que acrescentar novos nomes para novas Estações

Certas só as Estações que ardem nos nossos corações
Certa só a Primavera que renascerá sempre na Poesia e na memória que ficará depois do nosso último dia de Inverno
VT
Spring, Summer, Winter and Fall - Milva com Vangelis

terça-feira, 23 de junho de 2009

Flying on a painted sky


Lost
On a painted sky
Where the clouds are hung
For the poets eye
You may find him If you may find him
There
On a distant shore
By the wings of dreams
Through an open door
You may know him If you may
Be
As a page that aches for words
Which speaks on a theme that´s timeless
And the one God will make for your day
Sing
As a song in search of a voice that is silent
And the sun God will make for your way
And we dance
To a whispered voice
Overheard by the soul
Undertook by the heart
And you may know it If you may know it
While the sand
Would become the stone
Which began the spark
Turned to living bone
Holy, holy Sanctus, Sanctus
Be
As a page that aches for word
Which speaks on a theme that is timeless
While the sun God will make for your day
Sing
As a song in search of a voice that is silent
And the one God will make for your day

Jonathan Livingston Seagull – Be – Neil Diamond

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Gramíneas


As gramíneas são uma vasta família de plantas com cerca de 10000 espécies distribuindo-se por cerca de 650 géneros. É uma família extremamente versátil pois, através desta miríade de espécies que contém, e não fugindo muito a uma morfologia padrão, conseguiu ocupar quase todos os tipos de habitat disponíveis, em todos os climas. Pertencem a esta família desde plantas muito pequenas, que surgem entre as pedras da calçada até aos bambus que podem exceder 30 metros de altura. Podem ser desde aquáticas, inclusivamente, de águas salgadas, até formar florestas ou viver nas fendas das rochas mais secas e desertos, ocupando qualquer tipo de território e sobreviver sem qualquer esforço.
Mas a característica mais marcante desta família reside na morfologia da flor. Esta é um exemplo de economia floral espantosa. Não existem pétalas nem sépalas como estamos habituados, já que estas plantas não precisam delas para atracção de insectos, sendo a polinização feita pelo vento. Tudo o que resta destas peças florais, que terão existido num passado distante, resume-se a duas minúsculas escamas que ajudam na abertura da flor, expondo assim os órgãos reprodutores. Todas as outras peças são folhas modificadas que, para além de servirem para a protecção das flores, têm também uma função bastante importante na dispersão da semente.
Quando a flor está aberta e dado que as pétalas estão ausentes, observam-se apenas os estames muito protuberantes e pendentes, libertando quantidades copiosas de pólen que, independente das alergias que nos causam, asseguram a expansão, sem depender de terceiros (insectos) e com enorme economia de meios.
Uma estratégia tão simples e de baixo custo como esta, e ainda assim, tão frutífera, facilmente se tornou “popular”, assegurando a sobrevivência.
A Natureza sempre ao nosso lado a mostrar o caminho.
Porque será que nunca aprendemos.
VT

Against the wind – Bob Seger

domingo, 21 de junho de 2009

Nespereiras


Hoje é Domingo e primeiro dia de Verão.
Faz sol e o calor é sufocante. As praias estão cobertas de corpos. Os supermercados enchem-se de gente apressada. Os cinemas têm lotação esgotada.
Hoje é Domingo nesta manhã de Verão.
Aqui, no campo, os pássaros estão serenos. As árvores e as plantas cantam uma música colorida num silêncio perfeitamente audível.
E na inclinação deste Domingo, que podia ser outro dia qualquer da semana, descubro duas nespereiras e deito-me sobre as raízes de uma árvore vizinha a comer os frutos e a respirar a sombra perfumada. Como se estivesse dentro de um Paraíso que só os cegos podem encontrar.
VT

Stanger in Paradise - Tony Bennet

sábado, 20 de junho de 2009

Diálogo


Neste terraço à beira do mar, respirando o perfume das algas, murmuram formas à sombra dos deuses.
Sento-me ao lado e penso, por momentos, que eu talvez seja uma asa perdida.
VT

Chelsea Bridge - Ben Webster

sexta-feira, 19 de junho de 2009

O mar e o vento


Animais de luz cavalgam o céu embalando esta minha noite de Junho como se eu fosse vento e entrasse por todas as janelas abertas acendendo-as com a cor da música e da poesia depois de servir flores e pedaços de sol na mesa posta da alegria.
VT

The Ocean - Richard Hawley

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Ebb tide


A propósito de um post anterior (25 de Maio) sobre a famosa “Unchained Melody”, citei o cantor Roy Hamilton que para muita gente interpretou, em 1955, a melhor versão da música que viria a ser um enorme sucesso, em 1965, pelos Righteous Brothers. Aliás, em meu entender, a versão deste conjunto segue de muito perto a de Roy Hamilton.
Roy Hamilton (1929-1969) foi um cantor negro de sucesso interpretando R&Blues e música pop na década de 1950. Fora campeão de boxe (pesos pesados), tinha uma voz operática com experiência em “gospell” e, após uma breve passagem (1947) pelo conjunto “Searchlight Singers”, começou a gravar em 1953. Nesse ano o single "You'll Never Walk Alone", tornou-se um êxito R&B (nº 1 durante 8 semanas) entrando no Top 30 dos EUA em 1954 e lançando Roy nos braços da fama.
Seguiram-se, em 1954, "If I loved you" (nº 4 R&B), "Ebb Tide"(nº 5 R&B), e em 1955: "Hurt" (nº 8 R&B), "Unchained Melody (nº 1 R&B, nº 6 pop), e "Don’t Let Go" (nº 2 R&B, nº 13 pop). O seu estilo influenciaria quer o fantástico “shouter” Jackie Wilson, quer Roy Brown quer os próprios Righteous Brothers.
Após anunciar, em 1956, a sua retirada (por cansaço) dos palcos, fez poucas reaparições (“You can have her” em 1961 e o album “Mr. Rock And Soul” em 1962) e acabaria por falecer aos 40 anos, em 1969, após acidente vascular cerebral e após ter executado as suas últimas gravações nesse mesmo ano.
“Ebb Tide" é uma canção escrita em 1953 por Carl Sigman com música de Robert Maxwell.
Foi gravada múltiplas vezes, nomeadamente por: Frank Chaksfield & Orchestra (1953), por Vic Damone e Frank Sinatra (1958), The Platters (1960), Lenni Welch (1964) e os Righteous Brothers (1965). Mais uma vez se repete quase a história de “Unchained Melody”. Isto é, após Roy Hamilton acabam por ser os Righteous Brothers que obtém a versão mais conhecida (nº5 nos EUA). Ainda há versões significativas de Jerry Colonna, Earl Grant e de Matt Monro. Mas a versão que gosto mais ainda é esta de 1954 cantada por Roy Hamilton - na qual surge uma harpa tentando fazer lembrar o movimento de vai e vem do mar.
VT
Ebb Tide – Roy Hamilton

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Disputa de território


"Pelas ruas de Cecília, cidade ilustre, encontrei uma vez um cabreiro que conduzia encostado às muralhas um rebanho badalante.
- Homem abençoado pelos céus - deteve-se para me perguntar, - sabes dizer-me o nome da cidade onde nos encontramos?
- Que os deuses te acompanhem! - exclamei. - Como podes não reconhecer a mui ilustre cidade de Cecília?
- Tem pena de mim - respondeu ele -, - sou um pastor em transumância Calha-me às vezes a mim e às cabras atravessar cidades; mas não conseguimos distingui-las. Pergunta-me o nome dos pastos: conheço-os todos. O Prado entre as Rochas, a Encosta Verde, a Erva à Sombra. As cidades para mim não têm nome: são lugares sem folhas que separam um pasto do outro, e onde as cabras se assustam nos cruzamentos e se dispersam. Eu e o cão temos de correr para manter compacto o rebanho.
- Ao contrário de ti - afirmei,- eu só reconheço as cidades e não distingo o que está fora delas. Nos lugares desabitados aos meus olhos todas as pedras e todas as ervas se confundem com qualquer outra pedra ou erva.
Desde então passaram muitos anos; conheci muitas mais cidades e percorri continentes. Um dia caminhava por entre esquinas de casas todas iguais: tinha-me perdido. Perguntei a um transeunte: - Que os imortais te protejam, sabes dizer-me onde nos encontramos?
- Em Cecília, não podia deixar de ser! - respondeu-me ele. - Caminhamos há tanto tempo pelas ruas, eu e as cabras, e nunca mais se consegue sair.
Reconheci-o, apesar da longa barba branca: era o pastor da outra vez. Seguiam-no poucas cabras peladas, que já nem cheiravam mal, de tão reduzidas a pele e osso. Roíam papel velho nos bidões do lixo.
- Não pode ser! - gritei. - Eu também, não sei há quanto tempo, entrei numa cidade e desde então continuei a penetrar cada vez mais pelas suas ruas. Mas como pude chegar aonde dizes tu, se me encontrava noutra cidade, afastadíssima de Cecília, e nunca mais saí dela?
- Os lugares misturaram-se - disse o cabreiro,- Cecília está em toda a parte; aqui dantes devia ser o Prado da Salva Baixa. As minhas cabras reconhecem as ervas do separador das faixas da rua."
Italo Calvino em "As Cidades Invisíveis"
-

Come tenderness - Lisa Gerrard

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Another kind of sky

Acrílico/Técnica mista sobre tela. 1m X 1m. VT 2005

The great gig in the sky - Pink Floyd

domingo, 14 de junho de 2009

Ritmo escarlate

O êxtase das papoilas rente ao tempo dos sorrisos
Canção ardente no meio do orvalho do pensamento
VT

Balinese Monkey Chant

sábado, 13 de junho de 2009

Nostalgia do Presente


Lagoa de Óbidos em Junho de 2009

Perante esta imagem da Lagoa de Óbidos, ainda actual, e consciente das consequências das grandes alterações climáticas que se anunciam, não posso deixar de pensar que esta paisagem, um dia, poderá ser apenas uma mera recordação numa fotografia amarelecida.
O que restará de um país e de um mundo no qual se prevê quer a desertificação quer uma subida acentuada das águas dos oceanos, para mais breve do que estava calculado há poucos anos, condicionando êxodos sucessivos, sem precedentes, para novos locais no planeta, no qual um bilião de pessoas terão de mudar a sua residência até 2040?
Há um mundo que está simultaneamente em desconstrução e reconstrução e, em várias previsões, os mapas referem que, na Europa, Portugal será dos mais atingidos.
Será que o nosso país ficará reduzido quase a uma ilha no local da Serra da Estrela?
Os nossos filhos e netos terão que começar, brevemente, a pensar para onde irão viver?
Quanto tempo durará a Lagoa? Quanto tempo mais durará este nosso mundo que agora nos rodeia?
VT


Avé Maria – Chris Botti

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Silêncio

Mesa posta viajando imóvel perto da voz do mar.
A súbita aparição do silêncio sublinha as ondas e as nuvens.
E abre a paisagem como uma janela sem limites.
VT

Il Silenzio - Nini Rosso

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Um dia na praia


Praia da Foz do Arelho -Junho de 2009

Hoje li que tinham proibido, na praia, a venda de Bolas de Berlim e de gelados.
Recordei, com alguma nostalgia, um tempo de praia que passava mais devagar. Como se rebobinasse um filme no qual já fui actor – integrando rituais familiares na organização de expedições à praia, repetidos diariamente durante os meses de Verão. Uma praia que tanto podia ser na Riviera, na linha do Estoril, em S. Martinho ou aqui na Foz do Arelho.
Entravam sempre, todos os anos, personagens típicos como se tivessem saído das “Férias do Sr. Hulot”. Havia uma baronesa mumificada, de cão miniatura ao peito, em pose de diva (tipo Sunset Boulevard), o grupo de atletas que fazia forças combinadas em pleno areal, o intelectual de cachimbo, o casal de estrangeiros, as avós a fazerem tricô sem parar, as “vamps” sempre com a última moda vestida que o tenista galã tentava despir, o grupo dos piqueniques no pinhal, o cabo de mar e os nadadores olímpicos, crianças chilreando em redor da tenda dos fantoches ou entre baldes, bóias e construções de areia para o mar desfazer pouco depois.
No meio da calma e do calor ecoavam os pregões da preta das Bolas de Berlim e dos pacotes de batas fritas, do homem dos Barquilhos, do vendedor de “Rajá fresquinho” e do “Estica e chocolate prá menina e pró menino”. Como figuras de cal percorriam a praia de lés a lés sobre a tremulina do calor como figurantes de um filme de Felinni.
As senhoras e as meninas jogavam ao prego e ao ringue, enquanto os rapazes liam primeiro a “colecção Joaninha” e depois as aventuras do Zorro e do Capitão Marvel – mais saborosas durante as manhãs enevoadas.
Tudo aparentemente certo como previsto. Ninguém falava sobre qualquer tipo de preocupação. Tudo estava bem, sentíamo-nos rodeados de segurança naquele Presente e tínhamos poucas interrogações sobre o Futuro. Como se alguém supervisionasse e controlasse tudo e todos de modo a evitar qualquer tipo perturbação que nos incomodasse – desde que continuássemos a desempenhar bem, “ao ralenti”, os nossos personagens, dentro de uma redoma de cristal onde estávamos a salvo. Afinal um filme que sinto cada vez mais longe à medida que me aproximo.
Hoje o Presente não é o Futuro que nós, ingénuos e ignorantes, pensávamos no Passado. Hoje julgamos que já não há redomas que nos aprisionam mas cada vez temos mais dúvidas sobre o Futuro neste planeta. Como será que os jovens de hoje sonharão o Futuro neste filme da praia de agora, rodeados de vendedores ambulantes de pulseiras, relógios e óculos de sol de marca que substituíram a preta das bolas de Berlim?
VT

Estate – João Gilberto

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Como as nuvens


Reinventar a realidade é um exercício muito interessante.
Não distinguindo entre o que aconteceu e o que não aconteceu permite-nos eternizar a versão que nos dá mais prazer.
Fotografar (como qualquer outra manifestação artística) é um acto mágico que faz aparecer coisas que não existiam antes, sem se entender muito bem o processo.
Aliás, o mais importante é, nestes casos, não compreender. Se assim fosse deixaria de existir qualquer mistério ou magia.
As imagens fotográficas acabam, frequentemente, por adquirir maior importância que as situações originais porque o desaparecimento das coisas reais é inevitável.
A destruição da realidade é inerente à própria existência.
Nada permanece. Tudo dura apenas poucos momentos.
As imagens, ao contrário, podem durar muito mais. Assim as fotografias, revelando imagens exteriores ou interiores, permanecem suspensas proporcionando uma saída para a morte anunciada das coisas.
Mas cuidado. As imagens têm o dom de enganar (quem produz e quem assiste) porque ganham vida própria, após serem tornadas públicas, alterando-se os seus significados originais.
Passam a desencadear interpretações e sensações diversas, consoante o observador, quando se tornam propriedade de todos.
Como as nuvens, em que a mesma forma é “lida” de modo diferente por cada pessoa.
E assim, uma imagem pode-se transformar em múltiplas versões, consoante o número de apropriações, desencadeando inesperadas reacções em cadeia.
Assim cumprem o destino para o qual foram concebidas.
VT
Midnight blue - Sainkho Namtchylak

terça-feira, 9 de junho de 2009

O canavial

Um grupo de flores abrigado pelo canavial.
As canas e a folhagem agitam-se, ritmicamente, com a música do vento, como braços de bailarinas orientais.
Como se quisessem enviar alguma mensagem a avisar-nos.
Mas ninguém as ouve.
VT
Etheric messages (Maktub) - Natasha Atlas

domingo, 7 de junho de 2009

O Café


Naquele dia, entrei num café antigo, com uma sensação de “tem que ser”. Hesitei com a minha certeza mas decidido abri a porta, como se abrisse a capa de um livro, e penetrei nos castanhos do café, ao mesmo tempo que um anjo colorido levantava voo dos gonzos da porta. Os clientes agrupavam-se nas mesas como nas carteiras da escola. Só faltava alguém desafiar alguém para a batalha naval. Por detrás do ambiente caloroso e quase sorridente existia uma grande melancolia. Os personagens transformavam-se à mesa. Sonhavam à vista dos outros.
Procurei uma mesa mais isolada. Mal adivinhava que era mágica e esperava por mim.
No café creme silencioso da manhã, pedi a bica curta ao mesmo tempo que caíam as notícias de uma prateleira com telefonia. Servi-me abundantemente na praia do açúcar que enchia o açucareiro.
Por entre instantes de porcelana, de vapor e creme, reparei numa mulher, com a cabeça da Rita Hayworth, sentada apenas com uma mesa vazia entre nós e que parecia estar a representar uma nova versão da cena em que surge pela 1ª vez em “Gilda” – quando levanta a cabeça de um modo súbito e fascinante.
Pedi outra bica, consciente de que aquele era um mundo em extinção e bebi a maré do momento devagar, aspirando a fumegação cafeínica e saboreeando os vários tons de castanho. O creme que sobre nadava o café, a espuma no fundo da chávena, as mesas, as cadeiras, as portas e as pessoas.
De súbito fiz um grande plano ao olhar da mulher com a cabeça da Rita Hayworth - que lia à luz da voz da Billie Holiday que o rádio agora tocava. Ela retribuiu num plano sequência sem fim a filmar-me o pensamento contra o canelado da parede. Continuámos a entregarmo-nos nos olhares até ao momento em que nos sentámos simultaneamente na mesma mesa – a que estava entre nós. Sentámo-nos confundindo as pernas com as da mesa. Então a sala escureceu rapidamente, como para um final do dia enevoado e, do tecto, destacou-se um foco de luz cor de licor de "pepermint". Era um jacto luminoso que contrastava com o castanho carregado da sala e iluminava exclusivamente a nossa mesa. Na atmosfera verde o sorriso dela actuava a solo mantendo suspenso o silêncio dos outros. A sala preparava-se para assistir a um filme. O nosso.
Então... conversámos calados sobre um outro tempo em que, após termos descido ao fundo do vidro da noite, encontrávamo-nos num café, como este, onde tínhamos arranjado uma palavra nova enquanto aspirávamos o aroma do café moído.
Obviamente tinha-te reencontrado mais uma vez.
Um perante o outro - pensámo-nos e de novo senti o doce sabor da liberdade e da insurreição de outrora. Ao mesmo tempo as nossas imagens esbatiam-se, consumidas. Nitidamente estávamos a ficar invisíveis. A desaparecer. Ainda bem. Era uma aventura esperada. O problema afinal não era procurar mas encontrar. E ficarmos sós depois.
Assim livres, provámos novamente a vida...
VT
I´m in the mood for Love - Julie London

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Le banc des amants


Si tu m´aimais, et si je t´aimais, comme je t´aimerais.
(Paul Géraldy)

Till I Loved You - Barbara Streisand & Don Johnson

quinta-feira, 4 de junho de 2009

terça-feira, 2 de junho de 2009

Recanto


Neste recanto, debaixo do sussurro das folhas luminosas, animadas por uma brisa cálida, cheira a feno e há um manto esplendoroso de malmequeres amarelos.
Podíamos organizar aqui um piquenique como quem começa algo que afinal já teve início há muito tempo e não há maneira de fazer parar.
Como o gosto dos morangos e dos teus beijos sobre a toalha do nosso encantamento.
Como a sede do nosso abraço.
E assim ficamos muito tempo em silêncio.
VT

Love Theme from Blade Runner – Vangelis

segunda-feira, 1 de junho de 2009

A Praia


Uma vez houve umas férias, numa praia distante, em Itália, no tempo em que os Verões eram mais longos.
Após uma passagem por Sorrento, onde deambulámos, pela parte antiga da cidade, enebriados, simultaneamente, connosco e com os “limoncello” que beberamos, ficámos hospedados junto a um porto de pesca, sobre o qual se debruçava um penhasco semeado de casario branco e de palácios suspensos.
Nessa altura tudo em volta parecia estar em harmonia connosco. Muito sol, muito azul e o aroma morno dos pinheiros, a servirem de fundo ao romance daquele Verão, em que grupos de borboletas pequenas e azuis insistiam, inexplicavelmente, em dançar à nossa volta...
Tempo de longos passeios, junto às linhas de espuma que as ondas deixavam na areia, ao longo da praia, com o eco encantado do mar ao lado e de descobrir os reflexos especiais das gotas de água salgada no cetim da pele de Verão...
Julgávamos que o mundo nos pertencia. Enquanto as emoções ainda não eram controladas pela razão, tentávamos atingir o desconhecido fintando as regras estabelecidas. E, para continuar a acreditar, líamos Rimbaud, Baudelaire e outros poetas malditos, à tarde na praia, por entre troncos ressequidos que a maré deixava. Enquanto olhávamos, em silêncio, o sol a baixar no horizonte, envolvia-nos o aroma doce e quase infantil a limão e baunilha do “Eau d´Hadrien” que compráramos em Paris e que ambos usávamos.
Acima de tudo era tempo em que éramos capazes de sentir com facilidade as coisas mágicas em volta... fora de nós... e dentro de nós. Tínhamos a noção, muitas vezes, que pensávamos em simultaneidade – como se falássemos sem palavras. As palavras mais importantes, e as letras das canções, eram simples, tinham ligação directa ao coração e genuinas... e diziam com uma força e certeza interior inexplicáveis: "Forever"… "Sincerely"... Eram tremendamente belas porque, "a força estava connosco"...
Sabia que eras tu novamente pelos beijos suspensos com o pôr-do-sol entre os lábios. Pela suavidade e ternura especial no encontro mágico dos lábios… que se acariciavam... se tocavam levemente... intensamente... prolongadamente... acompanhando o ritmo da voz do Elvis com o “Love me Tender” que o gira-discos tocava sem parar.
Só agora, muito tempo depois, é que me apercebo que aqueles momentos eram muito mais importantes do que julgava na altura em que os disfrutava plenamente. Durante aquelas férias em Itália, não sabia então que um dia, mais tarde, agora, voltaria à mesma disponibilidade mágica, numa outra praia, em frente do oceano... Dreaming with the touch of your lips… Next to mine… The thrill is so divine…With all these things that make you mine.
VT
All these things - Harry Connick Jr.
Love me tender – Elvis Presley