Praça da Fruta das Caldas da Rainha
.
.
"ZÉ POVINHO ONTEM E HOJE"
O nosso irmão Zé Povinho não envelheceu ao longo destes anos, apenas se tem vindo a actualizar, disfarçando-se consoante a conjuntura social, mas resistindo sempre.
Não há partido político que antes de eleições não diga que o povo tem sempre razão, fazendo promessas e aliciando o Zé Povinho com muitas obras, alvarás, subsídios, empregos e alguns projectos colectivos contendo a esperança de que deixaremos de ser pobres. E o Zé acredita e continua hoje a assistir à procissão política albardado de um modo mais disfarçado.
Este “povo de pobres com mentalidade de ricos” que, perante um cenário cíclico de penúria nacional, se endivida cada vez mais para poder passar férias nas Caraíbas, e que mediante uma inexplicada cegueira interna acredita nas imagens que vai fabricando para seu próprio consumo, entende que é mais importante parecer do que ser e aparentemente não distingue entre acreditar e fingir acreditar. Embora, em geral, tente parecer que tem aquilo que não tem, em outros casos, procura aparentar o contrário. Isto é, finge não ter aquilo que na realidade possui. Esta atitude de se pretender passar por mais pobre do que aquilo que é, traz, em consequência, a confusão com os verdadeiros pobres.
Boémio, fatalista, individualista, simultaneamente policia ou espião dos seus próprios vizinhos (ainda reflexo dos tempos da Inquisição) e fugitivo de impostos (com a desculpa: “ladrão que rouba a ladrão…”), burocrata nato, anárquico, pacífico mas matando impiedosamente por questões menores, mantendo um irrealismo notável sobre as suas próprias possibilidades, o Zé Povinho, ajustou-se, mantendo alguns dos velhos hábitos, em vez de os corrigir, permitindo que novas injustiças e novas albardas surgissem cobertas com o verniz da democracia.
Assim continua a distribuição de empregos artificiais a quem gosta de fintar colectivamente o trabalho, promovendo-se a incompetência, o oportunismo e o clientelismo como se fossem qualidades. Os cargos de topo continuam a ser obtidos por compadrio pessoal ou político, rodando ao sabor dos Governos, sendo ignorada a competência técnica.
Aliás, a febre da finta alastra muito para além do futebol. De facto a excepcional apetência pelos “tachos” acaba por ser mais uma modalidade de finta. O Zé procura insistentemente empregos de acesso fácil, nos quais poderá auferir vitaliciamente de aumentos anuais, sem que seja necessário existir qualidade e empenho no trabalho. Por isso criou-se o Funcionalismo Público. Aliás procura também a acumulação com outros “tachos”, lixando assim o acesso ao emprego de outros concidadãos que aprendem, deste modo, mais um aspecto da “cartilha do lixanço nacional”, que irão reproduzir, mais tarde, quando tiverem oportunidade idêntica, mantendo o ciclo. Mas na cegueira da finta, o Zé Povinho não repara que não fintou só o vizinho, mas o interesse do país. Isto é - ele próprio.
Hoje, o Zé Povinho, é menos analfabeto, mas perdeu algumas qualidades estimáveis como a simplicidade e a naturalidade - bem como algumas raízes culturais importantes.
De facto, como decorrer do tempo, o Zé mudou de roupa e adoptou alguns hábitos questionáveis que têm ajudado a descaracterizar o país, destruindo muitos santuários das nossas províncias. A herança cultural tem sido sistematicamente afectada. Portugal quase que já não existe, deglutido pelas novas auto-estradas, ao longo das quais o Zé foi implantando depósitos de sucata e novas urbanizações, construídas por equipas de patos bravos (Zé Povinho em versão novo rico), em função de supermercados ou de gasolineiras.
Amador de quase tudo, gastando mais do que ganha, mas especialista no desenrascanço e em anedotas picantes, muitas vezes crítico e trocista, continuando a utilizar o boato para afirmar sem ter afirmado, o Zé Povinho cultiva um complexo de inferioridade perante o estrangeiro que sublima através da ostentação de uma mania da superioridade, vangloriando-se frequentemente de qualidades que só ele descobre.
Mantém-se a ausência de Culturiosidade, a Preguiça Endémica, a falta de sentido cívico e a preocupação com a sua “vidinha” do dia-a-dia, em detrimento do colectivo.
Esta ausência de sentido do colectivo é decisiva – dado que a Produção do País continua a ser insuficiente, tornando impossível a sempre almejada recuperação económica.
Perante os tempos que se avizinham o Zé necessita urgentemente de mudar a mentalidade.
Tal como RBP desejava - enquanto o desenhava.
(Texto publicado em suplemento da Gazeta das Caldas comemorando os 135 anos, feitos em 12 de Junho, do Zé Povinho).