sexta-feira, 25 de junho de 2010

Nos 135 anos do Zé Povinho

Praça da Fruta das Caldas da Rainha
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Max - Paolo Conte
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"ZÉ POVINHO ONTEM E HOJE"
O nosso irmão Zé Povinho não envelheceu ao longo destes anos, apenas se tem vindo a actualizar, disfarçando-se consoante a conjuntura social, mas resistindo sempre. Não há partido político que antes de eleições não diga que o povo tem sempre razão, fazendo promessas e aliciando o Zé Povinho com muitas obras, alvarás, subsídios, empregos e alguns projectos colectivos contendo a esperança de que deixaremos de ser pobres. E o Zé acredita e continua hoje a assistir à procissão política albardado de um modo mais disfarçado. Este “povo de pobres com mentalidade de ricos” que, perante um cenário cíclico de penúria nacional, se endivida cada vez mais para poder passar férias nas Caraíbas, e que mediante uma inexplicada cegueira interna acredita nas imagens que vai fabricando para seu próprio consumo, entende que é mais importante parecer do que ser e aparentemente não distingue entre acreditar e fingir acreditar. Embora, em geral, tente parecer que tem aquilo que não tem, em outros casos, procura aparentar o contrário. Isto é, finge não ter aquilo que na realidade possui. Esta atitude de se pretender passar por mais pobre do que aquilo que é, traz, em consequência, a confusão com os verdadeiros pobres. Boémio, fatalista, individualista, simultaneamente policia ou espião dos seus próprios vizinhos (ainda reflexo dos tempos da Inquisição) e fugitivo de impostos (com a desculpa: “ladrão que rouba a ladrão…”), burocrata nato, anárquico, pacífico mas matando impiedosamente por questões menores, mantendo um irrealismo notável sobre as suas próprias possibilidades, o Zé Povinho, ajustou-se, mantendo alguns dos velhos hábitos, em vez de os corrigir, permitindo que novas injustiças e novas albardas surgissem cobertas com o verniz da democracia. Assim continua a distribuição de empregos artificiais a quem gosta de fintar colectivamente o trabalho, promovendo-se a incompetência, o oportunismo e o clientelismo como se fossem qualidades. Os cargos de topo continuam a ser obtidos por compadrio pessoal ou político, rodando ao sabor dos Governos, sendo ignorada a competência técnica. Aliás, a febre da finta alastra muito para além do futebol. De facto a excepcional apetência pelos “tachos” ­acaba por ser mais uma modalidade de finta. O Zé procura insistentemente empregos de acesso fácil, nos quais poderá auferir vitaliciamente de aumentos anuais, sem que seja necessário existir qualidade e empenho no trabalho. Por isso criou-se o Funcionalismo Público. Aliás procura também a acumulação com outros “tachos”, lixando assim o acesso ao emprego de outros concidadãos que aprendem, deste modo, mais um aspecto da “cartilha do lixanço nacional”, que irão reproduzir, mais tarde, quando tiverem oportunidade idêntica, mantendo o ciclo. Mas na cegueira da finta, o Zé Povinho não repara que não fintou só o vizinho, mas o interesse do país. Isto é - ele próprio. Hoje, o Zé Povinho, é menos analfabeto, mas perdeu algumas qualidades estimáveis como a simplicidade e a naturalidade - bem como algumas raízes culturais importantes. De facto, como decorrer do tempo, o Zé mudou de roupa e adoptou alguns hábitos questionáveis que têm ajudado a descaracterizar o país, destruindo muitos santuários das nossas províncias. A herança cultural tem sido sistematicamente afectada. Portugal quase que já não existe, deglutido pelas novas auto-estradas, ao longo das quais o Zé foi implantando depósitos de sucata e novas urbanizações, construídas por equipas de patos bravos (Zé Povinho em versão novo rico), em função de supermercados ou de gasolineiras. Amador de quase tudo, gastando mais do que ganha, mas especialista no desenrascanço e em anedotas picantes, muitas vezes crítico e trocista, continuando a utilizar o boato para afirmar sem ter afirmado, o Zé Povinho cultiva um complexo de inferioridade perante o estrangeiro que sublima através da ostentação de uma mania da superioridade, vangloriando-se frequentemente de qualidades que só ele descobre. Mantém-se a ausência de Culturiosidade, a Preguiça Endémica, a falta de sentido cívico e a preocupação com a sua “vidinha” do dia-a-dia, em detrimento do colectivo. Esta ausência de sentido do colectivo é decisiva – dado que a Produção do País continua a ser insuficiente, tornando impossível a sempre almejada recuperação económica. Perante os tempos que se avizinham o Zé necessita urgentemente de mudar a mentalidade. Tal como RBP desejava - enquanto o desenhava.
(Texto publicado em suplemento da Gazeta das Caldas comemorando os 135 anos, feitos em 12 de Junho, do Zé Povinho).

4 comentários:

Anónimo disse...

Em 1875, Rafael Bordalo Pinheiro, cria a figura do ZÉ POVINHO....,uma peça em cerâmica, um busto de alguem que pergunta:..."Queres fiado?...Toma!", exibindo o tipico "manguito"..........Era uma figura muito presente nos estabelecimentos comerciais (as merceariais e afins), onde o mercieiro exercia uma função de "controlador", chamando a atenção do cliente, quando os montantes da "divida" acentes no "livro" começava a tomar proporções que poderiam ultrapassar as reais possibilidades de cumprimento do respectivo cliente......

Hoje, assistimos ao consumismo desenfreado, com todas as facilidades proporcionadas pelos créditos bancários...., não tendo havido a meu ver uma preocupação com as reais possibilidades de cada "cliente"......,"quantos mais cartões, melhor...", dando a "virtualidade, um estatuto próprio, um Poder....
A aparência é o que conta....

Parabens pelo rigor e clareza do texto criado, uma fotografia realista da actual realidade do País..........

Quanto á mudança de mentalidades,....mudança de atitudes e comportamentos, passará necessariamente por uma tomada de consciência em primeiro lugar, seguida de uma aprendizagem da gestão de oportunidades, acompanhada de uma maior exigência de responsabilidades de uma maneira geral......, em que todos teremos papeis importantes a desempenhar..., uma tão falada e pouco exercida "proactividade"....

Talvez estejamos a assistir a um estadio de desenvolvimento (psicosocial) que em muito se poderá comparar com um estado de "adolescência", que se arrasta já há algum tempo.....
Abraço
AC

Anónimo disse...

O Zé “mudou de roupa”, mas mantém alguns traços de personalidade que RBP traduziu tão bem. Por exemplo: no modo de ser e de estar lusitano ainda há muita gente (p. ex.) que insiste em não incluir no seu ritual diário, o “banho”, esse revigorante “despertar” para um “dia melhor”, impregnando de odor nauseabundo as “salas de espera” onde permanece e os locais por onde passa; o mesmo Zé que ainda cospe para o chão e lança detritos pela janela do carro nas estradas do seu País, onde a seguir se passeia, indiferente ao “lixo” que o rodeia…
O Zé efectivamente acaba por não ser bom para si nem para o Colectivo !!!
Enfim, o País Real “À Beira de um “Ataque de Nervos” e o Zé limita-se a acrescentar anos à vida e não Vida aos Anos…

Parabéns ao Autor de Heavenly pelo “Retrato Fiel” contido neste Post, ainda que matizado de laivos de tristeza para Todos Nós.

FC

Anónimo disse...

Não poderia estar mais de acordo....
De facto temos uma "realidade infectada", que reclama respostas rapidas face as "maleitas" que apresentam (!!!???), mas que dificilmente "despertará" de um "sono moribundo", enquanto não investirmos fortemente num "anti-séptico poderoso",..., a Educação e a Cultura de uma maneira geral...

Parecemos estar num Pais em que os Direitos se sobrepoem a tudo e a todos...,e em que os Deveres e as Responsabilidades estarão sempre nos "outros".......(alguns poucos).

Como podemos "crescer" a continuarmos assim?
Fazer a "Higiene" do Corpo, a Higiena da Mente e da Alma, exige mudanças, que parecem não ser desejadas.......

Este é um Post que poderia dar "pano" para muitas "mangas"...., mas se calhar um tipo de "vestuário" que não interessa "usar"..., compreende-se, até está calor (mas não para "banhos")..., :-)
AC

VT disse...

Agradeço a AC e FC a coragem de comentar este tema que tem alguma complexidade dado que a simbologia e a representatividade do Zé Povinho pode variar e ser utilizada de diversas maneiras. Desde RBP que assim é. Umas vezes representa o portugês em geral, outras a população que não "manda" - por oposição a governantes, outras ainda a nação portuguesa - tal como acontece com outras figuras representativas como o Tio Sam, John Bull, Marianne, etc, que têm sempre surgido em todas as épocas pela pena dos cartoonistas internacionais, a propósito de acontecimentos sociais e políticos. Claro que a população portuguesa hoje já não veste como o agricultor desenhado no Sec. XIX por RBP mas mantém ainda alguns traços da personalidade então descrita (o individualismo o pouco interesse pelas coisas da Cultura, o modo de reagir - ou não - perante o meio social), não esquecendo que ainda somos a povo com maior taxa de analfabetismo da Europa. Não podemos esquecer que o ambiente da Inquisição mais longa da História prolongou-se pela Monarquia até aos tempos de RBP, ainda pela 1ª República e pelo tempo de Salazar e Caetano deixou, em consequência, a sua influência (p.ex. a Coscuvilhice poderia servir para estar atento ao vizinho e delatá-lo ao Santo Ofício ou à PIDE, antes que o acusador fosse acusado).
Ou seja há sempre um ZP para cada ocasião ou época com as roupagens e hábitos correspondentes. ZP é cada um e todos ao mesmo tempo.
Bem hajam
VT