sábado, 26 de setembro de 2009

A Árvore e o Espírito de Lugar.

Tal como as duas anteriores esta árvore tem mais de 300 anos, pertencendo a uma fase inicial da Mata das Caldas da Rainha da responsabilidade dos provedores dos séc. XVI e XVII. Situa-se logo abaixo (Poente) e à direita de quem desce vindo da captação AC2. Tem mais de 25m de altura e uma copa muito larga, destacando-se o diâmetro do seu tronco - muito superior ao dos outros Carvalhos em volta. Ficamos com ideia, dada a abundância desta espécie na Mata, que houve intenção de a previlegiar. Talvez porque possui uma madeira muito forte e resistente (daí a ser muitas vezes associado à representação da longevidade, e da sabedoria), ou devido às referências anteriores da sua ligação ao Sagrado. De facto, a Cultura Celta acreditava existir dentro do Carvalho um poderoso e benéfico espírito, possuidor de grande Força, Sabedoria e Resistência. Cada Carvalho funcionaria como um portal natural aberto para os demais seres para além das fadas que os habitavam. Sempre que se encontrasse um Carvalho viçoso, com certeza ali haveria um grande número de Fadas a proteger o Local e a Árvore. A Bíblia usa esta árvore como referência pelo menos 23 vezes e os romanos consagraram-na a Júpiter tecendo, a partir da sua folhagem, as coroas dos heróis. Na Idade Média era objecto de culto (era a árvore de Robin dos Bosques) e ao longo dos séculos, o carvalho foi a árvore florestal mais importante da Europa, protegida e cultivada sempre que possível. Actualmente já não existe este cuidado mesmo que se sinta uma mudança de mentalidades. Os carvalhos produzem uma madeira mais valiosa que todas as outras e formam uma floresta, do ponto vista ecológico, preferível. São árvores admiráveis que podem atingir os 400, 500 anos e, por vezes, os 800 anos de idade. Os japoneses têm um provérbio que diz que o "carvalho leva 300 anos a crescer, 300 anos a manter-se adulto e 300 anos a morrer". Os carvalhos têm vindo a rarear na flora europeia e perderam, neste momento já, a gloriosa importância de outrora. E os carvalhos seculares, como as grandes jóias da arquitectura que mãos piedosas carinhosamente ergueram, pertencem ao passado. Se desaparecerem jamais se substituem. O carvalho permanece, no entanto, como um símbolo com significado espiritual e um bem valioso.
Bem gostaríamos que o efeito protector que os antigos acreditavam existir se manifestasse agora. De facto este é um tempo decisivo para todo o Património Termal das Caldas da Rainha – que inclui a Mata, e cujo futuro irá, certamente, ser estudado e equacionado tal como anunciado pelo Ministério da Saúde. Fala-se em fim de ciclo. Mas será então importante que em novo ciclo se procure manter toda uma herança patrimonial, transmitida ao longo de gerações durante mais de cinco séculos, que tem como origem o legado da Rainha D. Leonor e sucessivas doações da própria população. E essas doações, e respectivas intervenções urbanísticas, obedeceram quase sempre a uma estratégia global e integrada para todo o Património Termal, articulando, ao longo do tempo, de um modo complementar e sinérgico as diferentes peças que compõe a actual Estância Termal das Caldas da Rainha. Aquele princípio que se tem transmitido, desde os antigos Provedores até à actualidade, em que a manutenção da unicidade física e funcional de todo o actual Património Termal das Caldas da Rainha é uma herança a preservar – é afinal uma mais-valia fundamental para a estratégia termal e concelhia. Assim os Caldenses o compreendam.
VT
O Fortuna (Carmina Burana) – Carl Orff

7 comentários:

J J disse...

"a manutenção da unicidade física e funcional de todo o actual Património Termal das Caldas da Rainha é uma herança a preservar", esta é uma ideia que tem que ser defendida por todos os que querem lutar por uma cidade melhor.
Receio que haja um certo alheamento de alguns em relação ao futuro deste património - quando acordarem será tarde.

Anónimo disse...

Além dessas propriedades todas os mais antigos tinham orgulho nas suas mobílias feitas com madeira de carvalho. Bjo.

Anónimo disse...

A Um Carvalho

Eis o pai da montanha, o bíblico Moisés
Vegetal!
Falou com Deus também,
E debaixo dos pés, inominada, tem
A lei da vida em pedra natural!

Forte como um destino,
Calmo como um pastor,
E sempre pontual e matutino
A receber o frio e o calor!

Barbas, rugas e veias
De gigante.
Mas, sobretudo, braços!
Longos e negros desmedidos traços,
Gestos solenes duma fé constante...

Folhas verdes à volta do desejo
Que amadurece.
E nos olha a prece
Da eternidade
Eis o pai da montanha, o fálico pagão
Que se veste de neve e guarda a mocidade
No coração!

Miguel Torga

Que dizer ao Autor ? Que partilho das suas preocupações com o Património Termal e do seu sentido cívico. Que sei, como ao longo de décadas este Património se lhe impregnou na pele e no coração, seguramente eternizado. Que a preocupação deu lugar à Dor…
Que ao longo das últimas décadas andaram de mãos dadas a História, a Arte, a Cultura, o Ensino, a Investigação e a Ciência, a Saúde e o Bem Estar dos Cidadãos.
Ainda que a linha do horizonte pareça cometer a afronta de nada nos dizer sobre este Vasto e Secular Património, formulo aqui um desejo: que a cegueira dos homens não quebre a Força desta Corrente de Mãos Dadas e deste Espírito de Lugar.

Bj

FC

Eva Gonçalves disse...

Gosto particularmente de carvalhos. Ocorreu-me depois de ver estas belas árvores, se não haverá uma espécie de roteiro de árvores centenárias em Portugal para visitar. Que não sejam publicações dos turismos ou autarquias locais, mas que seja uma compilação de forma a servir de guia ao longo de todo o país aos interssados. Alguém tem alguma ideia da existência de alguma publicação semelhante? Se calhar até há, mas não faço ideia.
Existe uma sensação de identificação, com a grandiosidade destas árvores, como se quisessemos comungar da "sabedoria",e da tranquilidade a que as associamos... boa escolha musical, by the way.
Bom fim-de-semana.

Anónimo disse...

Curiosamente a Árvore,lato sensu,encerra em si própria um misto de mito,de virtude,de espiritual,diria,mesmo,quase de Humano.
Felicito-o por esta viagem,fotográfica e descritiva,pelas Árvores do Parque e da Mata das Caldas.A Fortuna...as proteja!

"Velut Luna
Statu variabilis,
Semper crescis
Aut decrescis;
Vita detestabilis
Nunc obdurat
Et tunc curat
Ludo mentis aciem,
Egestatem,
Potestatem
Dissolvit ut glaciem"

MV

maria teresa disse...

Vejam e observem as árvores da Tapada das Necessidades, são património "nosso".

VT disse...

Para além de saudar a nova presença da M Teresa e agradecer todos os comentários, não posso deixar de dizer que estou de acordo com o Sub e que estarei disponível para outras medidas em caso de surgir uma solução que não respeite a tal herança a preservar.
A poesia escolhida pela FC é muito bonita e apropriada e as palavras com que termina são muito sensibilizadoras.
MV muito atenta tem como sempre um comentário "certeiro" e bem observado no seu discurso proactivo.
Kotta tem razão porque a madeira de carvalho era muito apreciada devido à sua maior resistência.
Finalmente, dizer que não conheço qualquer roteiro de "património vegetal" importante do nosso país - uma ideia interessante da Eva para a edição de um livro sobre esta matéria.
Bem hajam
VT